As sucessivas mudanças de comando no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep), do MEC, denunciam uma crise de gestão do órgão. Mas seria apenas uma crise de gestão? Ou seriam essas mudanças frequentes o sintoma de algo muito mais grave?
O Inep é o órgão do Ministério da Educação responsável por dois dos mais importantes pilares de um sistema educacional: a gestão dos dados da educação e a política de avaliação do ensino. Em função de distorções político-ideológicas na concepção e elaboração do Enem o órgão vem se tornando suspeito como instituição adequada e capaz de desenvolver testes confiáveis. Esses desvios se tornaram uma hidra devoradora de cabeças – com predileção pela cabeça de presidentes.
Pelo que foi noticiado na imprensa nos últimos dias, o governo tomou a iniciativa de tirar o presidente que ali estava há pouco tempo – neste governo já era o quarto a ocupar a presidência do Inep. Segundo veiculou a imprensa, a iniciativa do governo se deu para evitar maiores desgastes para o governo nos próximos meses. O quarto presidente do Inep que saiu neste governo teria criado muitos conflitos internos que poderiam ser ampliados e extravasar no momento eleitoral. Segundo o governo, esse Presidente da autarquia já teria cumprido sua missão. Qual teria sido essa missão não ficou e nunca ficará muito claro. Rei morto, rei posto. O espectro de Hamlet ronda o Inep. Há algo de podre no reino da Dinamarca…
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Entre a saída do quarto e a entrada do quinto presidente, em fase de efetivação, a presidente interina – que também era responsável pela elaboração do Enem. – apresentou a sua demissão.
O que há de errado com o Inep? Como na peça de Shakespeare, cada novo presidente seria um novo Rei Cláudio e o Enem seria a infiel esposa do falecido Hamlet?
Comecemos nossa investigação pelo Enem. O Enem chama atenção por duas razões. De um lado, porque é um exame que interessa sobretudo às pessoas que têm chance de disputar uma vaga no ensino superior. De modo particular, interessa às elites: passar bem no Enem assegura acesso ao ensino superior gratuito, território preferencial de caça da classe média. De outro porque a forma como o exame é concebido e a forma como as questões são formuladas vem criando espaço para especulações ideológicas. Num governo, prevalece a agenda da esquerda. No outro, a agenda da direita. Isso não precisa nem deveria acontecer.
PublicidadeMas qual é o verdadeiro problema? Como na peça, seria preciso conquistar a cadeira de presidente para gozar das delícias de interferir nas questões do Enem – para supostamente exercer controle ideológico sobre a juventude?
Como Hamlet – pai e filho –, o Inep tem uma história nobre e uma função nobre. Mas possivelmente elaborar itens de teste – e operar a implementação de testes – não cabe dentro de uma instituição governamental. Isso cria espaço para cobiça e outros interesses, especialmente quando a responsabilidade pela elaboração do teste é tirada do contexto técnico em que deveria ser realizada e, indevidamente, é trazida para o contexto de uma agência pública, onde se torna possível esse tipo de distorção.
É preciso tirar do Inep a função de elaborar e aplicar testes. Não se trata de tirar o sofá da sala – mas certamente isso é parte da profilaxia que pode devolver ao Inep as suas nobres funções. Não existe necessidade nem razão para o Inep se envolver em elaborar e aplicar testes. Temos agências e instituições especializadas no tema – tanto em Universidades quanto em institutos privados autônomos. Essas são as instituições que deveriam fazer esse tipo de prova, em regime de colaboração ou concorrência. Dificilmente esses centros arriscariam sua reputação técnica elaborando itens que geram tanta controvérsia. Há mil formas de avaliar os conhecimentos – não é preciso ideologizar testes em nenhuma direção.
Colocar o Moreno – e pessoas como o Moreno – na direção de um órgão público é sempre um ponto positivo para o país. Mas não se pode esperar que o Moreno será capaz de colocar o preto no branco: há questões estruturais que precisam ser resolvidas para que o Inep execute a sua importante missão – e deixe as instituições especializadas cumprirem a sua. Pessoas são sempre importantes e fazem diferença na vida das instituições. Mas há questões institucionais mais profundas a serem resolvidas. São essas que precisam ser discutidas – no momento oportuno. Como o jovem Hamlet, o Inep vive uma crise existencial…. e até resolvê-la vai se transformando num triturador de presidentes.
Tema importante, mas é assunto para o próximo governo.
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