Quinze dias depois da saída do médico Nelson Teich do comando do Ministério da Saúde, o país continua sob o comando de um ministro interino, o general Eduardo Pazuello. Com uma passagem breve pela pasta, Teich pediu demissão após divergências com o presidente Jair Bolsonaro sobre o isolamento social e o uso da cloroquina no tratamento da covid-19. Assim como seu antecessor, Luiz Henrique Mandetta, Teich também não compatibilizou com o presidente posições para enfrentamento da pandemia.
Enquanto isso, o país segue em plena curva ascendente do coronavírus. De 15 para 29 de maio – período sobe gestão do ministro interino, o número de casos confirmados dobrou (de 218.223 para 465.166). Os óbitos subiram de 14.817 para 27.878. Os números colocam o Brasil na segunda posição no ranking de países mais afetados pelo coronavírus, atrás apenas dos Estados Unidos.
Nomeado por indicação do ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, Pazuello estava há poucos dias como número dois do ministério e não possuía experiência prévia na área. Com outros integrantes das Forças Armadas nomeados para cargos-chave da pasta, há indícios de uma tutela militar do ministério. A tese é afastada por governistas, que dizem ser natural que o ministro se cerque de pessoas de sua confiança e cujo trabalho já conhece.
No último dia 20, questionado sobre a definição do chefe do ministério, o presidente Bolsonaro afirmou que o interino ficará por muito tempo à frente da pasta. “Ele [Pazuello] vai ficar por muito tempo, esse que está lá. Não vai mudar não. Ele é um bom gestor, vai ter uma equipe boa de médicos abaixo dele”, disse.
O deputado Dr. Luizinho (PP-RJ), presidente da comissão externa de ações de combate ao coronavírus, defendeu que o presidente efetive Pazuello em prol da continuidade na gestão. “Uma ruptura com início de uma nova gestão com outra caneta seria prejudicial. Eu sou a favor de se efetivar o ministro para terminar o período de condução dessa pandemia. Nesse momento fazer uma mudança de estratégica com um novo ministro eu não acho adequado”, disse ele ao Congresso em Foco.
Na sexta (29), o deputado esteve com o ministro numa visita à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro. Em tom elogioso a Pazuello, ele afirmou que o trabalho do general começou antes mesmo de assumir a interinidade, quando ainda respondia a Teich.
PublicidadePor outro lado, o nome do general é criticado pela oposição. Para o deputado e ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha (PT-SP), o Ministério da Saúde foi transformado em uma máquina militar que visa responder demandas políticas do presidente. “Há um profundo esvaziamento técnico do ministério, o que é gravíssimo, porque ele sempre foi uma referência técnica, independente de governos, para os gestores municipais, para os gestores estaduais, para os profissionais de saúde na ponta e para a sociedade como um todo”, avaliou.
Para Padilha, falta uma referência nacional capaz de apoiar secretarias estaduais e municipais e gestores do Sistema Único de Saúde (SUS). “Isso faz com que o Brasil esteja definitivamente fora da mesa de negociação de discussão e planejamento das principais respostas ao momento pós-crítico da pandemia, como por exemplo a produção de vacinas.”
O deputado Marcelo Ramos (PL-AM) entende que o ponto nevrálgico é a postura negacionista do presidente. “Talvez a interinidade seja menos da vontade do presidente e mais da dificuldade de achar um médico que tope se aliar a isso”, ponderou.
“O problema para mim não é ser ou não militar. O problema é ter ou não ter conhecimento técnico para o enfrentamento de uma pandemia”, afirmou. Para o deputado, Bolsonaro não cumpre a promessa feita na campanha de indicar nomes técnicos para os cargos no governo.
Desde o início de abril, quando ainda estava sob comando do ex-deputado Luiz Henrique Mandetta, a aprovação popular à atuação do Ministério da Saúde caiu 31 pontos percentuais, de acordo com pesquisa divulgada pelo Datafolha: de 76% para 45%. Nas últimas duas semanas, desde a saída de Teich, a queda foi de 10 pontos. Já para 21% a gestão do ministério é péssima ou ruim e 34% a consideram regular. Com o último ex-ministro, a reprovação era de 13%.
Liberação da cloroquina
Sob a interinidade de Pazuello, o Ministério da Saúde divulgou no último dia 20 um documento em que estabelece novos critérios para uso da cloroquina no tratamento da covid-19. As novas recomendações permitem o uso de cloroquina ou hidróxido de cloroquina já nos primeiros dias após a manifestação de sintomas. As normas anteriores liberavam a droga apenas para os casos mais graves da doença.
A administração precoce de cloroquina, que leva a um uso amplo do medicamento, é contestada por entidades médicas por não haver estudos que comprovem sua eficácia e ainda existir o risco de reações adversas, como problemas cardíacos.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) entendeu que não há evidências científicas sólidas de que a cloroquina e a hidroxicloroquina tenham efeito confirmado na prevenção e tratamento da covid-19. Em reunião com Bolsonaro, o presidente do Conselho, Mauro Luiz Britto Ribeiro, anunciou que o uso do medicamento foi liberado mediante autorização de médicos e respeitadas algumas circunstâncias.
O presidente é acusado de ter politizado a discussão sobre o medicamento. “É a primeira vez que nós temos uma recomendação de uma medicação sem eficácia comprovada – mas com eventos adversos já reconhecidos –, sem a recomendação da estruturação de um sistema de vigilância de eventos adversos”, afirmou o ex-ministro Padilha.
Afrouxamento do isolamento
Nesta semana, foi revogada a portaria que determinava punições para quem infringir as medidas tomadas para o enfrentamento da pandemia de covid-19. A nova decisão, assinada pelo ministro interino da Saúde e pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, André Luiz Mendonça, revoga portaria assinada em 17 de março pelos chefes anteriores das pastas, Luiz Henrique Mandetta e Sérgio Moro.
Entre as determinações, o texto estabelecia a detenção de um mês a um ano e multa a quem infringisse a quarentena decretada. Bolsonaro criticava as medidas, que considerava repressivas e contrárias às liberdades individuais.
Mudanças na comunicação
Não foi apenas a condução da pasta qu mudou, a forma de comunicação sobre o avanço da covid também sofreu ajustes na atual gestão. Com Mandetta, as coletivas para atualização dos dados eram diárias e transmitidas da sede do ministério. O ministro, os secretários e os técnicos apresentavam os balanços vestidos de coletes do SUS. A pedido de Bolsonaro, as coletivas foram transferidas para o Palácio do Planalto, onde não havia espaço para alusões estéticas ao Sistema Único de Saúde.
Depois da chegada de Teich, as coletivas passaram a contar com a presença de outros ministros, em especial do núcleo militar. Teich se tornou figura pouco frequente e muitas vezes era ofuscado pelos outros ministros, que apareciam mais afinados ao discurso do presidente.
Nas redes sociais, a estratégia também foi alterada. Na semana passada, as redes sociais oficiais do Ministério da Saúde e da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) adotaram um novo tom, ocultando os balanços negativos.
A Secom passou a divulgar um “Placar da vida”, que traz o número de infectados pelo coronavírus no país, pacientes curados e em recuperação, omitindo o número de mortes. O painel com os números gerais e por estado divulgado pela Saúde também foi reajustado. Na nova forma de divulgação, o número de mortos ficou em segundo plano.
Outros cotados
Além da possibilidade de manutenção de Pazuello, outros nomes estão no radar para assumir o comando do ministério. Um dos mais cotados na bolsa de apostas é o da médica oncologista Nise Yamaguchi, aventado desde a primeira demissão na pasta. Imunologista do Hospital Albert Einstein, a médica é notória defensora do uso da cloroquina no tratamento de pacientes com covid-19.
O deputado Osmar Terra (MDB-RS), outro cotado para assumir a pasta após a demissão de Mandetta, volta ser apontado para a função, mas com menos força. O gaúcho é médico com especialização em saúde perinatal e aliado político do presidente Bolsonaro. Ele foi ministro da Cidadania e, depois que deixou o posto para reacomodação de Onyx Lorenzoni, chegou a ser cogitado para a liderança do governo na Câmara.
Grande parte dos especialistas da área da saúde teme a ida de Terra para o ministério. O deputado tem propagado ideias anticientíficas sobre o coronavírus e defende o isolamento apenas de idosos e pessoas com doenças preexistentes (o chamado grupo de risco).
Nas redes sociais bolsonaristas, foi levantado o nome do médio psiquiatra Ítalo Marsili. O médico é youtuber e seguidor de Olavo de Carvalho, um dos ideólogos do bolsonarismo. Controverso, Marsili adota técnicas de educação polêmicas, com viés católico, e se diz autor de uma terapia própria de “terapia de guerrilha” contra o “vitimismo”. Figuras próximas ao presidente, entre elas seus filhos e deputados federais do PSL, defendem seu nome.
> Acesse de graça por 30 dias o melhor conteúdo jornalístico premium do país