Quando no futuro o período Jair Bolsonaro for estudado, dois aspectos deverão prevalecer como objeto de reflexão. O primeiro será a forma como se desenvolveu a corrupção e se aprimorou a relação promíscua entre o Executivo e o Legislativo e entre o Executivo e parte das suas bases na sociedade organizada. O segundo aspecto – e talvez mais grave – é a forma como o bolsonarismo foi capaz de desenvolver, disseminar e enraizar os conceitos da extrema direita criando um ambiente de ódio no país como certamente nunca se viu antes.
Com relação ao primeiro aspecto, as reportagens especialmente do Estado de S. Paulo primeiro sobre o Orçamento secreto e depois sobre o escândalo do Ministério da Educação serão importantíssimos objetos de estudo. A era Fernando Henrique Cardoso trouxe à baila sofisticados instrumentos de desvio de recursos nos processos de privatização. Instrumentos que chegaram ao auge da gula no escândalo da Petrobras na era Dilma Rousseff. É o tipo de corrupção que mistura interesses públicos e privados e enriquece muita gente.
A era Lula apresentou um tipo particular de promiscuidade com as contas reservadas para comprar apoio no esquema do mensalão. É o tipo de corrupção que está mais diretamente ligada à relação para a formação da base de sustentação de um governo. É esse tipo de corrupção que se aprofundou na era Bolsonaro.
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Talvez a ascensão de um político do baixo clero ao poder ajude a explicar por que tais mecanismos se aprofundaram. O fato é que Bolsonaro entregou ao próprio Legislativo os mecanismos de execução orçamentária, e o poder que o Congresso obteve com o Orçamento secreto dificilmente qualquer governo futuro será capaz de conter. E o caso do MEC mostra bem como tais expedientes extrapolaram para a obtenção da mesma forma do apoio dos líderes religiosos da base evangélica.
Esses são, porém, desenvolvimentos de relações promíscuas que já existiam no Brasil. Que estão ligadas ao patrimonialismo e outras pragas históricas brasileiras na formação das suas elites políticas. O que aparece de novidade mesmo na era Bolsonaro é a consolidação de um processo de propaganda e formação ideológica nunca vistos. Da mesma forma como nenhum governante talvez consiga se livrar do imenso poder adquirido agora pelo Congresso na execução orçamentária, nunca mais o país talvez se livre também da invasão zumbi de extrema direita que a todo momento nos ameaça desde a vitória de Bolsonaro.
E, como objeto de estudo desse segundo aspecto, as reportagens de Vanessa Lippelt e Lucas Neiva neste Congresso em Foco certamente terão no futuro a mesma importância que as do Estadão quanto aos mecanismos de corrupção e promiscuidade política. Nenhum outro repórter brasileiro foi capaz de chegar mais perto dos porões onde se desenvolvem os métodos de formação ideológica dessa militância de extrema direita que Vanessa e Lucas. E não foi, portanto, por acaso, que os dois incomodaram tanto.
Primeiro, Vanessa mostrou como vai se dando a doutrinação ideológica de crianças a partir da criação de escolas paramilitares em um estilo que em tudo lembra a formação da juventude hitlerista na Alemanha nazista.
Depois, Lucas Neiva mostrou como no submundo da internet grupo trabalha para a promoção e disseminação de fake news de conteúdo eleitoral para beneficiar Bolsonaro.
As reações às duas reportagens foram as mais violentas. E quem acompanha o Congresso em Foco vem acompanhando o desenrolar do caso. Mas, como estamos tratando de gente abjeta e covarde, sem desmerecer as ameaças sofridas por Lucas, é importante assinalar como foi muito maior a contundência e a violência das ameaças sofridas por Vanessa. As mulheres são sempre o alvo preferencial dessa gente covarde a abjeta.
Mas as pessoas covardes e abjetas do submundo da violência costumam desconhecer alguns aspectos relacionados à coragem dos que costumam se movimentar à luz do dia e na defesa desses valores luminosos da democracia.
Na época da ditadura militar, uma vez quebraram todos os dedos das mãos do jornalista e escritor Antônio Maria. O que não o impediu de escrever no momento seguinte nova crônica, onde dizia: “Que bobos! Eles pensam que os jornalistas escrevem com os dedos”.
Agora, com relação às ameaças a Vanessa Lippelt, é possível escrever o seguinte: “Que bobos! Eles pensam que Vanessa é só ela”.
Aviso aos bobos: Vanessa somos todos nós. Que não iremos recuar um milímetro na tarefa de produzir agora as matérias que vão virar documento histórico mais adiante. Não vamos recuar na tarefa de contar nossa história. Como nunca recuamos. Como nunca recuaremos.
Meu nome é Vanessa…
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