Lula acaba de nomear a ex-ministra e ex-senadora, deputada eleita por São Paulo Marina Silva (Rede) para a pasta do Meio Ambiente. Embora tenha demorado e causado um “constrangimento” desnecessário para anunciá-la oficialmente ministra, com o episódio da oferta do Ministério do Meio Ambiente para a senadora Simone Tebet, Lula fez o correto.
O principal desafio de curto prazo (até 2026) deste governo na agenda climática e ambiental será a redução expressiva dos desmatamentos ilegais em todos os biomas brasileiros. E, para tanto, o governo terá que colocar ordem no vale-tudo em matéria de crimes e infrações ambientais incentivado pela impunidade gerada pelo pior desastre governamental da história do país, que foi o desgoverno Bolsonaro, principalmente na Amazônia nos territórios especialmente protegidos, inclusive indígenas. Sim, há inúmeros outros desafios importantes em matéria de clima e meio ambiente no Brasil, mas vamos focar neste que certamente é um dos maiores.
Dois dados endossam esse mega desafio: os desmatamentos (Amazônia e Cerrado) aumentaram mais de 60% nos últimos quatro anos ultrapassando a marca dos 10 mil km2 ao ano em ambos os biomas. O garimpo ilegal em terras indígenas cresceu mais de 500% e em unidades de conservação mais de 300%, em menos de dez anos.
Será um desafio muito maior e complexo do que foi nos governos Lula 1 e 2. Vários são os motivos que exploraremos em futuros artigos nesta coluna. Mas o fato de que este governo terá que trabalhar por 12 anos em apenas quatro é o que mais me chama a atenção. Explico a seguir:
– (2019-2022) O novo governo deverá desfazer um grande e deliberado desmonte, refazer a governança e, ainda, tirar o atraso dos quatro anos de desastre socioambiental do governo Bolsonaro. Foram mais de 400 atos administrativos (infralegais) que desmontaram a governança ambiental federal brasileira e que precisam ser revistos nos primeiros 100 dias. E a reestruturação da governança não se faz apenas com atos normativos e administrativos, mas com reprogramação (recursos humanos, orçamento, programas, acordos políticos etc.).
– (2023-2026) Simultaneamente, o governo deve promover a retomada do controle dos desmatamentos em todos os biomas brasileiros e avançar na governança ambiental nos territórios protegidos em todo País, sobretudo na fronteira amazônica em quatro anos de gestão. E para isso será necessário mais do que ressuscitar e atualizar o famoso PPCDAm (Plano de Prevenção e Controle dos Desmatamentos na Amazônia), que precisa ser expandido para todos os demais biomas. Só isso já é em si um grande desafio.
PublicidadeAtualizá-lo significa, por exemplo, implantar novidades tecnológicas cruciais como o embargo remoto automático em escala para bloquear todas as áreas desmatadas ilegalmente usando apenas sistemas virtuais e remotos. Mas será preciso inovar e avançar não apenas no monitoramento, fiscalização e responsabilização pelos crimes e infrações ambientais que cresceram substancialmente nos últimos anos. Será preciso avançar de fato (e de Direito) na agenda dos incentivos econômicos verdes e na “promoção e valorização” dos chamados ativos ambientais. O pagamento por serviços ambientais, a intensificação das concessões florestais, a implementação do mercado brasileiro de carbono, a oferta de crédito público financeiro verde, a revisão das normativas do Banco Central para crédito público, o incentivo à certificação florestal e à restauração florestal e agroflorestal, dentre outros mecanismos econômicos e financeiros que precisam, em quatro anos, sair do discurso fácil e bem-intencionado e acontecer na prática.
– (2027-2030) Esse talvez seja um dos mais difíceis desafios considerando um governo de coalizão ampla que envolve inclusive parte da direita no Congresso Nacional. Tudo o que for possível reconstruir e rever de retrocessos (ocorridos entre 2019 e 2022) e avançar em novas políticas, programas e metas (entre 2023 e 2026) não poderá ser facilmente desmontável numa eventual próxima gestão opositora ou menos comprometida (2027-30). Afinal, um eventual desmatamento zero alcançado em uma gestão, pode na seguinte voltar ao patamar de 10 mil km2 de média. Para tanto os avanços devem contar com forte participação e legitimação social. A conquista não pode ser do governo, mas da sociedade. A sociedade tem que cobrar, participar e se apropriar das conquistas.
Seja com a ampliação e a intensificação da participação social no âmbito dos conselhos de políticas públicas, mas sobretudo, no que for possível aprovar em termos de matéria legislativa no Congresso Nacional para estruturar a política. Apesar de anos muito difíceis entre 2019 e 2022 no Congresso Nacional tivemos poucos retrocessos legais, sendo que nenhum deles estruturante, apesar dos enormes retrocessos verificados no âmbito do Poder Executivo no mesmo período.
Aprovação da PEC da Segurança Climática (PEC 37/2021 em tramitação na Câmara), do Projeto de Lei que atualiza as metas climáticas brasileiras ao Acordo de Paris (PL 6.539 de 2019), aprovação do Projeto de Lei 6.230 de 2019, que estabelece os Planos de Prevenção e Controle dos Desmatamentos em todos os Biomas como ação de Estado (não de governo), o PL 4.450 de 2021, do sinal vermelho ao desmatamento ilegal, a aprovação de uma legislação para a Reforma Tributária Sustentável que elimine progressivamente incentivos ao aumento das emissões de CO2 e ofereça competitividade fiscal à economia verde, são exemplos concretos de uma possível e necessária Virada Parlamentar Verde que em quatro anos pode estabelecer um novo patamar ou piso mínimo para o desenvolvimento sustentável no Brasil a partir dessa gestão. Precisamos de piso “no regret”, um “ponto sustentável de não retorno”.
Assim fazendo chegaremos de cabeça erguida na 30ª Conferência da Partes, COP do Clima, na Amazônia, em 2025 como prometeu Lula, e muito próximos em 2030 do desmatamento zero também prometido por Lula. Não bastar querer. Tem que querer, e muito, todos os dias, a partir desse 1º de janeiro. Boa sorte, Lula, Marina, Sônia Guajajara. E feliz e sustentáveis anos novos Brasil.
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