Arthur Lira avisou: o governo não tem votos e vai precisar de muita conversa para aprovar as medidas de ajuste fiscal no Congresso. O presidente da Câmara deu a declaração num seminário, antes da votação no plenário do regime de urgência para a tramitação de dois dos projetos do pacote de contenção de gastos, ontem. O governo levou, mas por estreita vantagem — só três votos em um dos projetos, e dez, no outro. PSD e União Brasil, partidos que estão no governo, encarregaram-se de deixar o recado de Lira mais explícito. O partido de Gilberto Kassab deu 17 votos a favor da urgência e 20 contra. No União Brasil, só oito apoiaram o governo; 45 foram contra.
Lira também afirmou que “o Congresso não vai faltar”, mas acrescentou que o momento é de “muita turbulência e de problemas que não são inerentes à harmonia dos Poderes, na circunscrição do que cada Poder deve fazer”. Referia-se à decisão do ministro do STF Flavio Dino que determinou regras de transparência para a liberação de emendas parlamentares ao Orçamento. A insatisfação no Congresso foi generalizada com as imposições feitas pelo ministro, com apoio dos colegas da Corte.
Leia também
Emparedado, o governo entendeu que, sem atenuar as condições impostas por Dino, nada avançará na pauta econômica. Escalou a Advocacia Geral da União para administrar a crise, com um pedido ao ministro para reconsiderar alguns pontos da decisão — a aprovação de um plano de trabalho prévio, a identificação nominal dos parlamentares e o crescimento do volume de emendas. Enquanto não houver um desfecho favorável ao Congresso, os sustos nas votações continuarão, com risco de derrota. Lula contava com o Supremo para conter o apetite parlamentar, mas o vento mudou. Agora, é o governo que vai à Corte para facilitar o acesso do Congresso às verbas.
O tempo é escasso: há menos de três semanas para votar o pacote, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e o Orçamento de 2025, que precisa incorporar as mudanças. Segundo o próprio Lira, Brasília já foi invadida pelos setores atingidos pelas medidas e “estão todos se movimentando”. O governo precisa ser mais rápido.
A instabilidade política coloca fermento na crescente desconfiança do setor financeiro sobre a capacidade do país em conter o crescimento da dívida pública e a inflação. As boas notícias, como o crescimento do PIB acima do esperado, o baixo nível de desemprego e a queda histórica da miséria não mudam essa avaliação. Ao contrário, são vistas como resultado de uma economia aquecida além de sua capacidade, com alta no consumo e, logo, risco inflacionário.
O pacote apresentado por Fernando Haddad decepcionou os agentes financeiros, que queriam mais cortes nas despesas obrigatórias e condenaram a proposta de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil. Viram nas medidas as limitações políticas impostas pelo presidente da República e concluíram que Haddad perdeu força no governo.
A avaliação positiva do trabalho do ministro caiu de 50%, em março, para 41%, segundo pesquisa Quaest realizada com 105 gestores, economistas, analistas e tomadores de decisão do mercado financeiro. Um em quatro dos consultados (24%) considerou o trabalho dele negativo. Em junho do ano passado, o clima era outro, e 65% aprovavam Haddad. Foi quando o governo conseguiu sua melhor nota junto a esse público: negativo para 44%, positivo para 20% e regular para 36%. Na pesquisa mais recente, 90% reprovaram o governo, mesmo patamar da posse.
Pouco adiantará para Lula demonizar o mercado e seus critérios. Sem aprovar medidas que tenham efeito na contenção do crescimento dos gastos, a crise de confiança se agravará, o dólar seguirá subindo. Já aconteceu antes, Lula conhece a História.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br
Deixe um comentário