No mesmo dia em que o Banco Central decidiu manter a política de aperto monetário e elevou a taxa Selic para 13,25% ao ano, Lula anunciou que pretende triplicar o crédito consignado para trabalhadores do setor privado, para cerca de R$ 120 bilhões, usando recursos do FGTS como garantia. Enquanto a política monetária busca esfriar a economia para conter a inflação, Lula quer estimular o endividamento pessoal para colocar dinheiro na mão da população e aumentar o consumo. As duas coisas não combinam.
Com popularidade em declínio, Lula tem atirado para todos os lados — e tem errado muito mais do que acertado. Na semana passada, sobraram balas perdidas no debate sobre a redução do custo dos alimentos. Já que é muito difícil derrubar os preços da comida, que dependem de fatores como o câmbio, ele tenta aliviar o aperto no bolso das pessoas com dinheiro emprestado a custo um pouco mais baixo que a média do mercado. Só vale para quem tem emprego formal, minoria entre os trabalhadores.
Governos têm a obrigação de tentar melhorar a vida do povo, mas a medida anunciada é paliativa e indica falta de rumo às vésperas da eleição presidencial. Enquanto Lula se reunia com os banqueiros para discutir o novo consignado, o presidente do PSD, Gilberto Kassab, apontava as debilidades do governo num evento patrocinado pelo banco UBS. Disse que o ministro Fernando Haddad é “fraco” e que se a disputa eleitoral fosse hoje, Lula perderia. É a primeira vez que Kassab tira Lula da condição de favorito e que critica o ministro da Fazenda num ambiente em que ele precisa de aprovação e confiança.
Ao atacar Haddad, Kassab disse que governos precisam de ministros fortes para dar certo. Citou exemplos de antecessores no cargo que tiveram mais autonomia em suas decisões. Ficou claro que o alvo era Lula, que limita os planos de ajuste fiscal da Fazenda e deixa o ministro mais vulnerável, mesmo sabendo que ele seria um possível substituto, caso decida não disputar a reeleição.
Já as previsões eleitorais de Kassab encontram lastro nas estatísticas eleitorais e nos dados da pesquisa Genial/Quaest que verificou a perda de popularidade do presidente em seu maior reduto, o Nordeste. O índice de aprovação na região passou de 67%, em dezembro, para 59%. A reprovação, de 32% para 37%. Lula também perdeu pontos entre os mais pobres (renda de até dois salários mínimos): em dezembro, seu trabalho era aprovado por 63% nessa faixa. Caiu para 56%.
Lula venceu Jair Bolsonaro em 2022 por estreita margem, apenas 1,8%. Essa diferença veio principalmente do Nordeste, única região em que o petista obteve mais votos que o adversário — teve 69,4%. Se Lula perder essa vantagem, ganhar será muito mais difícil no atual cenário. A queda entre os mais pobres também é significativa. Em 2022, Lula venceu em 977 dos mil municípios com menos IDH do país, com média de 75% dos votos. Kassab estava fazendo as contas.
Os cálculos políticos de Kassab também passam por um reposicionamento na busca pela liderança do centro, em contraponto ao Centrão. No ano passado, seu partido foi o grande vitorioso, ganhando o maior número de prefeituras. Em São Paulo, onde está no primeiro escalão do governador Tarcísio de Freitas, ocupou o espaço que era do PSDB e agora anuncia a intenção de uma fusão com o partido. Kassab tem dito que terá candidato próprio ao Planalto em 2026 e inclui o governador gaúcho Eduardo Leite na lista, ao lado de Ratinho Jr (PR). Reitera que Tarcísio vai disputar a reeleição e não esconde que poderia ser o vice da chapa. 2030 já começou, ao menos na cabeça de Kassab.
Para vencer, Lula precisa de uma coalizão forte e de centro para a disputa presidencial, e ela passa pelo PSD. As críticas de Kassab mostram as dificuldades para essa articulação. Há tempo para arrumar a casa e a economia, mas ele é curto.
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