O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania defendeu, neste sábado (15), que o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) seja julgado no Conselho de Ética e no Supremo Tribunal Federal por homotransfobia devido ao discurso feito por ele, no Dia Internacional da Mulher, com uma peruca, em que debochou e atacou transexuais.
Em nota técnica, o ministro Silvio Almeida e outras duas secretárias da pasta recomendam que seja dada continuidade ao processo de perda de mandato do deputado na Câmara e às investigações do Ministério Público Federal relativas ao episódio.
“Não foi cometido apenas crime de homotransfobia. Nikolas Ferreira também violou o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, sob a Resolução nº 17 de 1989, e o Código de Ética e Decoro Parlamentar de sua Casa Legislativa, sob a Resolução nº 25 de 2005”, diz trecho do documento ao qual o Congresso em Foco teve acesso. “A não responsabilização configura uma ameaça à estabilidade democrática, que se apresenta em diversas partes do mundo, com especial incidência sobre o Brasil”, acrescenta.
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A nota técnica recomenda:
– Diante dos pedidos de cassação por quebra de decoro parlamentar, já protocolados na Câmara dos Deputados, seja dada sequência à apuração do caso do deputado pela direção da Casa, segundo seus ritos procedimentais e em obediência ao devido processo legal, e, em sendo considerado culpado o parlamentar, seja atribuída a pena cabível, qual seja, a cassação de seu
mandato;
– Diante das notícias-crime já apresentadas, seja dada sequência à apuração do caso pelo Supremo Tribunal Federal, no exercício de suas funções constitucionais e
considerando sua própria jurisprudência, fixada por meio da ADO nº 26/DF e do MI nº 4.733/DF, que criminaliza a homotransfobia nos termos da Lei nº 7.716/89;
– Sejam o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União acionados para acompanhar os processos em andamento sobre o caso;
– Seja realizada audiência pública na Câmara Federal, com a presença da Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, na pessoa da secretária Symmy Larrat, e do ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, além de movimentos nacionais em defesa dos direitos LGBTQIA+, associações em defesa dos direitos das pessoas trans, travestis e não-binárias, bem como de pesquisadoras sobre o tema nas instituições federais de Ensino Superior, com o objetivo de debater as violações de direitos humanos e a condição social, política e econômica das pessoas trans, travestis e não-binárias no Brasil;
– Seja promovido um amplo debate público de coibição de fake news divulgadas pelas redes sociais e outros meios de comunicação, que ofendem, estereotipam e subjugam a população LGBTQIA+, a exemplo das problematizações sobre uso da linguagem neutra e inclusiva, uso de banheiros etc.; e
– Sejam articulados diálogos acerca das regras de concessão e funcionamento para empresas públicas e privadas de comunicação, sobretudo das redes sociais, no sentido de coibir a prática criminosa da LGBTIfobia a partir de canais de comunicação regulados e ou concedidos pelo Estado brasileiro.
Além de Silvio Almeida e Symmy Larrat, assina a nota técnica a secretária-executiva do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, Rita Cristina de Oliveira.
No dia 8 de março, durante discurso em plenário, Nikolas colocou sobre a cabeça uma peruca loira. Em seguida, o deputado bolsonarista debochou da comunidade trans afirmando que a partir daquele momento ele se sentia uma mulher.
“Hoje é o Dia Internacional das Mulheres. A esquerda disse que eu não poderia falar porque eu não estou no meu lugar de fala. Então, eu solucionei esse problema. Hoje eu me sinto mulher. Deputada Nikole”, disse o parlamentar após encaixar a cabeleira em sua própria cabeça para ridicularizar as mulheres trans.
Discurso de ódio
No seu discurso, Nikolas alega que as mulheres brasileiras perdem espaço “para homens que se sentem mulheres”. Em sua “performance”, o deputado ainda faz um alerta para as possíveis punições que ele mesmo pode receber por proferir um discurso conscientemente transfóbico. “Eles estão querendo colocar uma imposição de uma realidade que não é a realidade. Eu, por exemplo, posso ir para a cadeia, deputados, caso eu seja condenado por transfobia. (…) Ou você concorda com o que eles estão dizendo ou caso contrário você é um transfóbico, homofóbico e preconceituoso”.
Em sua nota técnica, o Ministério dos Direitos Humanos destaca que esse caso se soma a outros episódios de transfobia recreativa, discurso de ódio e violência política de gênero perpetrados pelo deputado, amplamente propagados em diversas redes sociais, constituindo uma das principais pautas de marketing digital utilizadas por Nikolas Ferreira em sua carreira política.
“Assim, ao retratar as pessoas trans, travestis e não-binárias como autoras potenciais de agressões e atos de violência contra crianças e adolescentes em banheiros, por exemplo, promove-se a visão de que essas devem ser temidas. Isso torna explícito o enquadramento do referido pronunciamento como discurso de ódio”, afirma a nota.
O deputado e seus aliados alegam que o discurso não foi transfóbico e que ele fez direito de sua liberdade de expressão e da prerrogativa de imunidade parlamentar, que considera os parlamentares invioláveis em seus pronunciamentos.
“Por conseguinte, frisa-se que o discurso de ódio não pode ser compreendido como abarcado pela liberdade de expressão. O discurso de ódio proferido contra a população LGBTQIA+, em especial com relação às pessoas trans, travestis e não-binárias, como se deu no caso protagonizado por Nikolas Ferreira, trata-se de conduta criminosa, conforme os tipos penais estabelecidos pela Lei nº 7.716/89, que define os crimes resultantes de discriminação racial.”
Congresso omisso
O Ministério dos Direitos Humanos também critica a omissão do Congresso por não legislar sobre o assunto, deixando uma lacuna que acaba sendo preenchida, na prática, pelo Judiciário. “A ausência de medidas efetivas por parte do Poder Legislativo contribui para a manutenção de um estado de violência contra a população LGBTQIA+, violência esta que, como observado no caso em questão, chega a ser propagada a partir da própria Câmara dos Deputados. É necessário enfatizar que, após o discurso de Nikolas Ferreira, o plenário se encheu de palmas e saudações ao deputado, demonstrando o amalgamento da discriminação social nas representações políticas hoje eleitas. A situação em questão é um atestado fático e notório de que o tema da LGBTIfobia precisa ser dirimido pelo Congresso Nacional e que este é parte do problema da violência que incita o ódio, tira vidas e apaga histórias a cada dia no Brasil”, destaca a nota.
Nikolas responde na Justiça por transfobia por um discurso feito por ele quando era vereador em Belo Horizonte contra a deputada Duda Salabert (PDT-MG), mulher trans eleita deputada federal no ano passado, assim como ele. Na ocasião, ele se referiu a Duda como “ele”.
O Brasil é o país com o maior número de mortes violentas de pessoas trans. Segundo o “Dossiê: Registro Nacional de Assassinatos e Violações de Direitos Humanos das Pessoas Trans no Brasil em 2022”, levantamento feito pela Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil (Rede Trans), pelo menos 118 trans e travestis morreram de maneira violenta em 2022.
Assista ao vídeo do discurso de Nikolas Ferreira:
Confira a íntegra da nota:
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