Com menos de um mês chefiando a força terrestre, Júlio César de Arruda foi o general com o menor tempo de comando do Exército desde a redemocratização, e o segundo menor desde a proclamação da República. A troca inédita de comando, determinada pelo presidente Lula, não se deu por acaso. De acordo com o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, Arruda havia perdido a confiança do presidente.
Assumindo de forma antecipada, ainda na gestão Bolsonaro, Arruda foi empossado como comandante do Exército com a premissa de recuperar o caráter institucional
Retorno da antiguidade
A entrega de comando a Júlio César de Arruda ocorreu de forma inusitada. Restando poucos dias para a posse de Lula, o gabinete de transição solicitou ao antigo governo que fosse antecipada a transferência de comando no Exército, receosos de que a penetração do bolsonarismo na cúpula militar pudesse comprometer a segurança da cerimônia de posse.
Em vez da tradicional troca de comando em um novo governo já instaurado, Arruda assumiu o comando do Exército no dia 28 de dezembro. Seu nome foi indicado pelo atual ministro da Defesa, que sugeriu a escolha de um general de Exército pelo critério de antiguidade: prática tradicional entre os presidentes que antecederam Jair Bolsonaro, que em 2021 exonerou os comandantes das três forças e os substituiu por aliados pessoais.
No dia 1º de janeiro, a posse presidencial seguiu conforme o planejado, sem nenhuma grave ocorrência ou qualquer atrito entre o general e o novo presidente. O novo governo não demorou a tentar estreitar seus laços com as forças armadas, e solicitou que cada comandante elaborasse um relatório de demandas, que seriam apresentadas pessoalmente em reunião com Lula e José Múcio.
Sucessão de falhas
O bom relacionamento entre o presidente Lula e o general Arruda começou a se desgastar a partir dos atos golpistas de 8 de janeiro. Logo que os ataques aconteceram, Lula começou a se pronunciar no sentido de apontar a negligência por parte de militares do Batalhão da Guarda Presidencial na defesa do Palácio do Planalto. Em diversos discursos, apontou para o fato das portas da sede do poder terem sido deixadas abertas aos invasores.
As investigações que sucederam o ataque puseram em dúvida de qual lado a força terrestre estava. Expulsos das sedes dos três poderes, os golpistas do dia 8 se juntaram para fugir ao Setor Militar Urbano, bairro de jurisdição do Exército onde mantinham acampamento. A tropa da polícia militar seguia os manifestantes até o acampamento, mas foi interrompida por tanques do Exército na rua de acesso ao bairro.
A recusa da força terrestre em permitir o acesso das forças distritais para prender os vândalos em flagrante delito obrigou o governo a intervir, estabelecendo um acordo para que o acampamento fosse desmobilizado pela polícia somente na manhã seguinte, dando tempo para que parte dos vândalos escapassem.
Semanas depois, em entrevista à Globo News, Lula chamou a atenção para outro aspecto da defesa que o irritou: o fracasso do aparato de inteligência das forças armadas em o alertar sobre o risco de um ataque aos três poderes, que já vinha sendo fomentado com dois dias de antecedência nas redes sociais frequentadas por bolsonaristas.
Dentro do Exército, um outro detalhe piorou a relação entre Lula e Arruda: o destino do antigo ajudante de ordens de Bolsonaro e aliado próximo, tenente-coronel Mauro Cid. Em seu último dia como presidente, Bolsonaro deu a Cid a função de comandante do 1º Batalhão de Ações de Comandos, com sede em Goiânia, um dos batalhões de elite do Exército, mantendo o bolsonarista em uma posição privilegiada e com autoridade em nível nacional. Júlio César manteve a posição de Cid mesmo em meio ao atrito com o chefe de Estado.
Segundo o portal Metrópoles, Lula teria ordenado a demissão de Cid após o colunista Rodrigo Rangel revelar que o ex-ajudante de ordens operou uma espécie de caixa dois com recursos em espécie que eram usados, inclusive, para pagar contas pessoais da primeira-dama Michelle Bolsonaro e de familiares dela. Arruda, no entanto, teria se recusado a cumprir a ordem, de acordo com o site.
Aceno de Paiva
Em meio à crescente desconfiança de Lula em relação ao general, um outro líder militar passou a acenar em direção ao legalismo. No estado de São Paulo, um dia antes da exoneração de Júlio César, o general Tomás Ribeiro Paiva, do Comando Militar do Sudeste, discursou à sua tropa em defesa do caráter apolítico das forças armadas e do reconhecimento do resultado eleitoral.
Paiva era o segundo na lista de antiguidade entre generais de Exército antes da posse de Arruda, e seu nome já era conhecido tanto por Lula quanto por Múcio: foi ajudante de ordens do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, já comandou o Batalhão da Guarda Presidencial, foi subcomandante na missão de paz no Haiti e comandou, em 2012, a força de pacificação do complexo do Alemão, no Rio de Janeiro.
Troca de comando
Com um quadro aparentemente insubordinado na chefia da força terrestre e um aceno amigável de seu sucessor, Lula não demorou a exonerar Júlio César de Arruda. “Depois desses últimos episódios: a questão dos acampamentos, a questão do dia 8 de janeiro, as relações principalmente com o comando do Exército, sofreram uma fratura no nível de confiança. Nós achávamos que nós pudéssemos estancar isso logo de início, até para superar esse episódio”, explicou o ministro da Defesa sobre a mudança de comandante.
A troca de comando foi comemorada entre os aliados mais próximos de Lula. Entre eles, está a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR). “O comportamento do ex-comandante do Exército caracterizou insubordinação inadmissível perante ameaças à democracia e de partidarização da Força. A democracia rejeita qualquer tutela sobre os poderes civis que emanam do voto popular. Crise haveria se o presidente Lula não tivesse atuado em defesa da Constituição”, declarou em suas redes sociais.
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