Um dos temas mais frequentes no noticiário econômico da grande mídia nacional é, sem dúvida, o da elevadíssima taxa de juros no país, campeã no ranking internacional.
Dada a relevância do assunto, cabia aos principais órgãos nacionais de imprensa o cumprimento de seu dever institucional de bem informar a população, divulgando o fato com a isenção e a profundidade indispensáveis à sua compreensão.
Entretanto, certamente com estranhos interesses, resolveu a mídia dominante fazer verdadeira campanha publicitária a favor da teoria de que a elevação da taxa de juros seria o principal, senão o único, instrumento capaz de segurar a corrente inflacionária. E repete essa informação como um verdadeiro dogma a não admitir contestação.
Aliás, para dar à teoria aspecto de veracidade científica, sempre publica entrevistas de economistas acerca do assunto, só concedendo espaço, todavia, aos profissionais que a confirmam.
Não permite a grande mídia, de fato, o aparecimento de qualquer voz dissonante a respeito.
Infelizmente, aliás, o cidadão comum já está sempre propenso a receber qualquer informação da mídia como verdade sabida, dificilmente se aprofundando na análise dos fatos a ponto de poder conferir a sua realidade.
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Ocorre que, para se aferir a veracidade de determinado fato, no entanto, seria forçoso examiná-lo sob todos os ângulos possíveis.
Não custa mencionar aqui, por oportuno, o exemplo da absurda volta da medieval teoria terraplanista, que a grande mídia tratou logo de contestar com a seguinte afirmação: A Terra não é plana, mas comprovadamente redonda.
O observador mais atento, entretanto, sabe que nem a Terra é plana, nem simplesmente redonda. É que o fato de ser redonda não se opõe ao de ser plana. Uma mesa, além de ser plana, pode ser redonda. Se considerar todas as suas dimensões, concluirá o observador que o planeta que habita é, na verdade, esférico.
É necessário, pois, voltar com essa profundidade à teoria da função da taxa de juros defendida pelos poucos economistas que têm voz na grande mídia.
O que dizem eles?
Afirmam ter o país uma inflação monetária decorrente do excesso de demanda de consumo em relação ao insuficiente sistema de produção de bens e serviços postos à disposição da população. Sendo assim, elevando-se a taxa de juros, dificulta-se a obtenção de crédito e, por consequência, fica reprimida a demanda, equilibrando-se, pois, ações e reações decorrentes da lei da oferta e da procura.
No campo da simples teoria, essas afirmações podem até parecer válidas. Todavia, para que se confirmem, necessário seria considerar em que circunstâncias fáticas isso ocorre no país.
Pois bem. Por esse caminho, fácil verificar a falsidade dessas assertivas.
Não é verdade, de início, que a produção de bens e serviços no país seja insuficiente para a demanda, pois as indústrias brasileiras estão em média com 25% a 30% de sua capacidade ociosa. É que quem fabrica, por exemplo, dez máquinas de lavar só consegue vender sete, o que, por dedução, revela não haver o tal excesso de demanda.
Aliás, nunca o povo brasileiro esteve tão pobre como na atualidade, com 10% de desempregados, 30% na informalidade, sem qualquer direito trabalhista ou previdenciário, isto se consideradas as suspeitas estatísticas do IBGE que, como é sabido, muda suas fórmulas conforme a conveniência de cada governo. Além disso, 60% dos brasileiros hoje se encontram com seu nome incluído em cadastros púbicos de inadimplentes e dezenas de milhares de pessoas encontram-se em situação de completo abandono, desabrigadas. Não contam com recursos nem mesmo para comer. Que demanda excessiva pode haver em tais dramáticas circunstâncias?
Que função teria a elevada taxa de juros para reprimir uma demanda já por demais retraída? Evitar a oferta de crédito, para quem não tem cadastro positivo e nem teria como demonstrar condições para suportar os encargos do financiamento?
O aumento da taxa de juros só diminui a possibilidade de obtenção de crédito, concretamente, às empresas do sistema de produção de bens e serviços, que dele efetivamente necessitam. Não é sem razão que a indústria que já respondeu por 30%, hoje representa não mais do que 10% do PIB.
Em outros termos, a elevação da taxa de juros nessas circunstâncias, ao embaraçar, para não dizer destruir, o sistema de abastecimento, pode agravar ainda mais o desequilíbrio entre a oferta e a procura, aumentando a inflação. Para melhor explicar, a falta de crédito contribuiria para a redução da produção de bens e serviços, ampliando contraditoriamente a pressão da demanda.
Ademais, os produtores que conseguem crédito, ao custo da elevadíssima taxa de juros, repassam esse custo ao consumidor, de modo que, sob esse prisma, juros elevados, por si, não evitam, mas, pelo contrário, podem acarretar o movimento inflacionário.
Não é preciso, pois, ser economista para saber que a inflação brasileira não é de demanda de consumo, decorrendo, sim, do exagerado e sistemático aumento de preços tarifados, cobrados por concessionárias de serviços públicos essenciais, como água, energia elétrica e combustível, sobre os quais o aumento da taxa de juros nenhum efeito produz.
De outro lado, quando o aumento de preços de produtos e serviços não decorre do encarecimento de tarifas de serviços públicos essenciais, decorre, então, do câmbio livre ou flutuante, da cartelização do sistema de abastecimento, do próprio aumento da taxa de juros ou de danos causados por alterações climáticas. De que pode valer a elevação da taxa de juros para tais hipóteses?
Trata-se, pois, de uma grande mentira.
Aliás, tudo não passou de um truque para substituir a linguagem da lógica e da ética da filosofia, baseada na solução de conflitos de modo a dar a cada um o que é seu por justiça, pela linguagem da economia, que se interessa exclusivamente pela obtenção de vantagem material a favor de quem paga mais.
Acontece que, logo depois do chamado Plano Real, já no início do governo seguinte, em 1995, implantou-se no país o neoliberalismo econômico, com as recomendações do Consenso de Washington, como a busca do Estado-mínimo, disciplina fiscal, redução de gastos públicos, reforma tributária, liberalização do setor financeiro e do comércio, câmbio flutuante e desregulamentação da economia.
Trata-se de regras ditadas aos países emergentes pelos donos do mundo, isto é, um pequeno número de seres humanos que concentram a riqueza do planeta, que tudo fazem, como sempre fizeram, para manter o status quo, bem como para evitar o aparecimento de novos concorrentes.
Para os defensores do neoliberalismo, pouco importa a estabilização da moeda brasileira, que nenhuma diferença pode fazer à vida de quem tem seu patrimônio e seus investimentos baseados em dólares.
Para essa corrente que, antes de ser uma simples ideologia, é uma organização criminosa, o controle da inflação é apenas mais um discurso populista.
Note-se que as mencionadas recomendações, ainda que pareçam possuir conteúdo moralizador da administração pública, buscam, ao contrário, disfarçar a corrupção e o abuso do poder econômico. E a farsa é gritante.
Assim, a disciplina fiscal, embora pareça pretender evitar que o Estado gaste mais do que arrecada, fez incluir na lei de responsabilidade fiscal que isso não vale para o pagamento dos juros aos bancos detentores de títulos públicos.
A pretendida reforma fiscal e tributária, embora pareça ter o objetivo de fazer com que as despesas públicas sejam reduzidas, com a consequente diminuição da carga tributária para todos indistintamente, serve na verdade para que o Estado, arrecadando cada vez menos, deixe de ter gastos com as necessidades sociais. A redução do Estado ao chamado Estado-mínimo, assim, não tem a finalidade de reduzir a tributação, servindo, antes, para desqualificar o serviço público na saúde, habitação, educação e segurança pública e, em seguida, forjar o falso argumento da ineficiência do Estado, para convencer o povo da necessidade da privatização das estatais e da terceirização do serviço público essencial de modo geral.
E isso tudo é deliberado, porque, reduzido ao mínimo, deixa o Estado de ter força para regular a economia, o setor financeiro, a indústria e o comércio, liberando aos super ricos todos os caminhos para continuarem a exercer livremente o abuso do poder econômico, sem qualquer restrição, ampliando a concentração de riqueza sempre em seu favor. Não é por outra razão que as instituições financeiras cobram os juros que querem; as indústrias produzem bens de consumo de menor qualidade, até com riscos à saúde do consumidor e da população, além de aumentarem, sem limites, os preços; o mega agronegócio desmata terras indígenas e áreas de preservação permanente, polui o solo, o mar, os rios e os cursos d´água com pesticidas e agrotóxicos, utiliza técnica de transgênicos agrícolas e hormônios nos animais de corte de forma ilegal e lesiva à saúde pública e assim por diante. O que falar das empresas mineradoras?
Um salve-se quem puder, infelizmente, já em vigor na economia nacional.
O certo é que esse neoliberalismo selvagem empobreceu a população a ponto de transformar metade dela em uma multidão de miseráveis.
Basta ver que, a partir de 1995, quando implantada essa nociva (des)ordem econômica no país, o PIB nacional reduziu-se a um crescimento anual vegetativo de 1% a 2% em média. Não se pode esquecer, pois, que anualmente nascem dois milhões de crianças e, por consequência, dois milhões de jovens entram no mercado de trabalho, o que explica o alto nível de desemprego.
Tampouco se pode olvidar de que, nas quatro décadas anteriores o índice de crescimento anual do PIB ficava em média de 5% a 7%, com pleno emprego.
Em outras palavras, o tripé macroeconômico meta de inflação, câmbio flutuante e superavit primário, inventado pelo já referido neoliberalismo econômico, que passou falsamente por décadas pela grande mídia como o milagre do Plano Real, apenas produziu danos sociais. Destruiu indústrias, criou uma fila imensa de desempregados no mercado de trabalho, o empobrecimento popular, tudo para o enriquecimento ilícito dos eternos donos do poder econômico.
Até a privatização a qualquer custo de todas as estatais, ideia tida como núcleo dessa funesta política econômica, só causou prejuízos. O fortíssimo e rico BANESPA, por exemplo, importante patrimônio público nacional, conquistado com o sacrifício de cidadãos pagadores de impostos, foi privatizado pelo valor simbólico de um real (R$ 1,00), vendido a um banco espanhol que, no país de origem pode, por lei, cobrar juros de no máximo 7,5% por atraso no cheque especial e no cartão de crédito, ao ano, aqui cobra livremente dos pobres consumidores brasileiros de 13 a 15%, não ao ano, mas ao mês.
Que dizer das terras públicas paulistas, que deveriam se destinar à reforma agrária, assentamentos para a agricultura familiar e a projetos de habitação popular, vendidas, ou melhor, “doadas” a empresários do mega-agronegócio, por dez por cento de seu efetivo valor no mercado imobiliário?
Não é preciso ser gênio da economia para fabricar ou segurar a inflação monetária no país com esses criminosos critérios.
A propósito, é indispensável considerar que apenas 1% de aumento na taxa oficial de juros pelo Banco Central significa um aumento anual da dívida pública da União em cerca de 50 bilhões de reais; impede o reajuste anual do salário-mínimo com aumento real e o reajuste em 25% do valor do auxílio-família; além de eliminar vagas de creche e tornar impossíveis novos investimentos em saúde, habitação, educação e segurança pública.
É evidente que toda a população quer uma moeda estável. Mas a que custo social? Certamente não será o da completa destruição da sociedade.
Com certeza não ao custo de viver numa verdadeira tirania que, ao mesmo tempo em que empobrece o povo, privatiza bens e serviços públicos para enriquecer amigos do rei, numa verdadeira transferência de tributos aos bolsos dos poderosos da iniciativa privada, oligarcas simpáticos aos governantes do momento, sob o disfarce de tarifas de serviços de concessionárias públicas.
Ao custo de ver a república (coisa pública) brasileira reduzida a “reprivada” ou “reprivatizada”, de forma abalar o espírito de Platão?
Um escândalo tão grande, de tão graves consequências, que provavelmente não para de rondar as portas e ameaçar o conturbado sono dos poderosos da economia dentro do território nacional e dos que, sob corrupção, os protegem.
Não surpreende que o cartel de bancos, maior beneficiário da elevada taxa de juros, tenha se apressado a financiar recentemente, com todo o empenho, a aprovação da autonomia do Banco Central que, como mero cartório homologador da vontade desse cartel, converteu-se no maior defensor da teoria de que a taxa de juros há de permanecer indefinidamente elevada para, segundo diz, controlar a inflação “de demanda”.
Claro está, todavia, que, com a redução da produção de bens e serviços e sem demanda de consumo, há recessão, que produz, como se sabe, deflação e não inflação.
Ora, para concluir, se a teoria da elevação da taxa de juros como instrumento para conter a inflação de demanda não passa de falsidade (fake news), forjada para um desvio de finalidade, ou seja, para enriquecer ilicitamente pequeno grupo de megaempresários, como demonstrado, cuida-se de ação violadora dos princípios constitucionais da legalidade, moralidade, impessoalidade e eficiência, que devem fundamentar qualquer ato dos Poderes Públicos, inclusive logicamente do Banco Central (CF, art.37).
Por todos esses motivos, passa da hora de estancar esse assalto ao orçamento público nacional e aprovar uma lei de responsabilidade social que contemple no orçamento o verdadeiro interesse popular.
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