Às vésperas de promover uma reforma ministerial que reflita melhor a correlação de força da nova configuração política pós-eleição municipal, o presidente Lula tem a oportunidade de ir além da simples acomodação de interesses políticos. Este momento pode ser utilizado para reforçar a base de apoio no Congresso Nacional e na sociedade, promovendo mudanças que também melhorem a qualidade da gestão, elemento indispensável à sustentação e continuidade do projeto de governo.
Para tanto, é necessário um inventário detalhado da atuação dos atuais ministros, abrangendo tanto as entregas feitas em cada pasta quanto a capacidade de defesa do governo como um todo. Tal diagnóstico permitirá avaliar a eficácia de cada titular e seu nível de comprometimento com as diretrizes e metas governamentais, servindo de base para decidir quem permanece e quem será substituído.
O papel de um ministro de Estado combina duas dimensões fundamentais: a de gestor e a de representante político. Na dimensão de gestor, exige-se habilidades para formar e liderar equipes, além de algum grau de conhecimento técnico na área de atuação. Já na dimensão de representação, cabe ao ministro legitimar, sustentar e defender a agenda do governo, comunicando-se mais com o público externo do que com o interior da máquina pública. E isso requer que, em suas manifestações públicas, ele transmita confiança, seriedade e credibilidade. Essa função de representação não é apenas simbólica, mas também estratégica, especialmente em tempos de polarização.
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Cada presidente, ao recrutar seus auxiliares para postos estratégicos, como o de ministro de Estado, define seus critérios com base em sua visão de mundo e nos compromissos assumidos durante o processo eleitoral e pós-eleitoral. Esses critérios geralmente incluem ética, integridade e cinco outros fatores fundamentais: critérios políticos, ideológicos, partidários, regionais e de gênero.
Entretanto, não basta atender a esses parâmetros; é imprescindível que o escolhido possua habilidades de liderança e competência gerencial. Esses atributos precisam estar interligados para garantir o bom desempenho na gestão e na defesa do governo. Nem sempre, contudo, esses requisitos são atendidos, especialmente quando o fator “indicação política” é o que predomina na escolha.
O presidente Lula, em seu terceiro mandato à frente do Executivo, demonstra plena consciência dessas demandas. Ao compor seu ministério, Lula valorizou a lealdade, prestigiou partidos e lideranças decisivas para sua eleição e ampliou de maneira significativa a presença feminina no governo, em relação ao governo Bolsonaro. No entanto, decorridos dois anos de governo, é necessário ajustar rumos. A nova realidade política pós-eleição municipal e a iminente eleição para as presidências da Câmara e do Senado demandam um governo mais coeso e articulado. Essa adequação inclui tanto a substituição de ministros que não corresponderam às expectativas quanto a redistribuição de forças dentro do governo para atender à nova realidade política do País.
O processo de mudança é natural, seja para ajustar a base à correlação de forças políticas, seja para corrigir deficiências de gestão ou comunicação. O Presidente Lula, que exerce pela terceira vez a Chefia do Poder Executivo, sabe disto como ninguém. E, portanto, ao promover uma reforma em seu ministério, irá levar em consideração esses aspectos. Aliás, ao trocar o titular da Secom, certamente já levou em consideração isto, ou seja, que a comunicação do governo estava deficiente e precisaria melhorar a gestão e reforçar a presença e qualidade na comunicação digital, um segmento onde o governo estava perdendo de goelada para a oposição extremada. Com a troca, pretende uma comunicação mais assertiva, que não somente combata a desinformação e fake news como atue de forma mais efetiva no marketing governamental para “conquistar corações e mentes”.
Embora o ideal fosse impor um padrão uniforme aos partidos da base aliada, isso nem sempre é viável. Ministros com o perfil ideal — leais, ágeis, criativos e eficazes tanto nas entregas quanto na defesa do governo — são raros. Exemplos positivos, como o titular da Advocacia-Geral da União, que propôs o Prêmio Eunice Paiva de Defesa da Democracia, ilustram a combinação ideal de competência técnica e compromisso com os valores democráticos. Outra estratégia seria realocar ministros eficazes para Pastas de maior visibilidade, como por exemplo o ministro dos Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, do Republicanos, explorando de forma mais estratégica sua capacidade de articulação política.
Com sua experiência e habilidade política, o presidente Lula tem plenas condições de promover uma reforma ministerial que combine competência, articulação política e compromisso com as diretrizes do governo. Ao ajustar a equipe, desde que a coalizão não lhe imponha nomes em desacordo com esse perfil, Lula não apenas poderá reforçar a estabilidade de sua base de apoio, como também construir as condições para um legado de realizações que fortaleça a credibilidade do governo e o projeto político que representa.
(*) Jornalista, analista e consultor político, mestre em Políticas Públicas e Governo pela FGV. É sócio-diretor da empresa “Consillium Soluções Institucionais e Governamentais”, foi diretor de Documentação do Diap e é membro da Câmara Técnica de Transformação do Estado, do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, e do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável da Presidência da República – o Conselhão.
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