Oito decretos relacionados a armas. Uma série de atos vinculados a meio ambiente e desmatamento. Fim dos sigilos de cem anos que foram decretados pelo presidente Jair Bolsonaro. Revisão de processos de desestatização. Recuperação de situações que colocam em risco conquistas sociais. Revogação de atos que prejudicam direitos das crianças, adolescentes e da juventude. Também de atos nas áreas de cultura, igualdade racial, participação social e reforma agrária.
O relatório da transição que foi divulgado pelo futuro governo de Luiz Inácio Lula da Silva traz um alentado capítulo que detalha o que será objeto do revogaço da administração que toma posse no próximo domingo, 1º de janeiro. Diversos atos determinados pelo presidente Jair Bolsonaro perderão, segundo o relatório, a sua eficácia com a utilização de diversos instrumentos.
Armas
O relatório da transição propõe a revogação de oito decretos e uma portaria ministerial que “incentivam a multiplicação descontrolada das armas no Brasil, sem fiscalização rigorosa e adequada”.
“O descontrole coloca em risco a segurança das famílias brasileiras e, portanto, deve ser revertido pelo Ministério da Justiça, em diálogo com o Ministério da Defesa”, considera o texto.
O relatório sugere “uma revisão rigorosa do conjunto de atos normativos que desmontou a política pública de controle das armas no país”, e a substituição por uma nova regulamentação para o Estatuto do Desarmamento (Lei 10826/2003)
Dessa forma, propõe a revogação do Decreto nº 9845/2019, do Decreto nº 9846/2019, do Decreto nº 9847/2019, do Decreto nº 10030/2019, do Decreto nº 10627/2021, do Decreto nº 10628/2021, do Decreto nº 10629/2021, do Decreto nº 10630/2021. Além disso, sugere-se que o presidente determine a revisão, pelos ministérios responsáveis, do teor da Portaria Interministerial MJ/MD 1634/2020.
Meio ambiente
A transição propõe a revogação “de atos normativos de extrema gravidade, que geraram uma situação descrita como “estado de coisas inconstitucional” pela ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia no julgamento do chamado “pacote verde”, conjunto de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) movidas por partidos de oposição contra medidas tomadas pelo governo Bolsonaro.
O pacote verde é formado por sete processos judiciais em que são analisados atos do governo Bolsonaro que teriam enfraquecido a legislação ambiental e a fiscalização de crimes contra o meio ambiente. “Nas manifestações dos Ministros constantes das decisões já proferidas, a constatação é de que há um quadro estrutural de ofensa massiva, sistemática e generalizada dos direitos fundamentais ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à saúde e à vida digna”, observa o relatório.
O texto propõe, então, uma série de revogações, divididas em várias áreas. Para “acabar com o desmatamento”, propõe revogar atos que “desmancharam” o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM). Cita, então, o Decreto nº 10.142/2019, o Decreto nº 10.239/2019 e o Decreto nº 10.845/2021.
Para “acabar com a impunidade quanto a multas ambientais”, o relatório da transição propõe revogar decretos “que anularam multas ambientais, paralisaram o sistema de fiscalização ambiental e criaram um ambiente de perseguição aos fiscais”. O texto estima que mais de R$ 18 bilhões de eventuais multas teriam se perdido os atos. A transição propõe a revogação integral do Decreto nº 9.760/2019 e de parte do Decreto nº 10.086/2022.
O Decreto nº 10.966/2022 liberou o garimpo ilegal na Amazônia a partir de uma regulamentação indevida do que foi chamado de “garimpo artesanal”. A proposta da transição é a revogação integral do decreto.
O governo Bolsonaro comprometeu o Fundo Amazônia, que capta recursos para o meio ambiente. A transição propõe a revogação parcial dos Decretos nº 10.223/2020 e nº 10.144/2019, nos pontos em que inviabilizaram a governança do fundo. A estimativa é que há R$ 3 bilhões em recursos que poderão agora ser utilizados.
Sigilo de 100 anos
Com relação à série de sigilos impostos por Bolsonaro, com prazo de 100 anos, o texto da transição propõe um roteiro de medidas. Lula não teria autoridade para simplesmente revogar tais determinações porque, em tese, as medidas implicam a proteção de dados pessoais.
A “medida A” será um despacho de Lula, que determinará, “pelo princípio da autotutela da administração pública”, que a Controladoria-Geral da União (CGU) reavalie as decisões tomadas na lista de casos denunciados como de imposição indevida de sigilo de 100 anos.
A “medida B” será um outro despacho determinando que a Advocacia-Geral da União elabore proposta de parecer vinculante que indique o escopo de aplicação possível da atual redação da Lei de Acesso à Informação relativa à proteção de dados pessoais.
Desestatização
Uma série de medidas destinadas a promover a desestatização de empresas públicas também está no rol do revogaço sugerido.
No caso, há a Resolução CPPI 240/2022, que recomenda a inserção da Petrobras no Programa de Parcerias e Investimentos (PPI). Do Decreto nº 10674/2021 sobre os Correios. Do Decreto n. 10669/2021 sobre a Empresa Brasileira de Comunicação. Do Decreto n. 10.322/2020 (PPI) sobre a Nuclebrás Equipamentos Pesados (Nuclep). Do Decreto n. 11.085/2022 sobre a Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural (PPSA). E do Decreto n. 10767/2021 sobre a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Direitos sociais e de menores
A proposta é de revisão de atos normativos relacionados aos direitos sociais e econômicos dos brasileiros, sendo alguns casos com impactos significativos para a população mais pobre, como o Decreto nº 10.852/2021, que obrigou agricultores rurais de baixa renda a entregarem parte da sua produção para o governo. Ou o Decreto nº 10.473/2020 , que acabou com o Programa Pró-Catador, destinado a auxiliar quem vive da coleta de lixo e material reciclável.
Também propõe-se a derrubada de regras que diminuíram direitos de crianças e adolescentes. Uma sugestão é que Lula despacho orientando o Ministério do Trabalho a revisar o teor do Decreto nº 11.061/2022, que, ao tratar de aprendizagem profissional, derrubou várias regras de proteção do adolescente. A partir dos debates necessários, deve ser proposta nova regulamentação para o tema.
Outra proposta é acabar com a política de educação especial do Ministério da Educação, que propunha isolar crianças com deficiência retirando-as das escolas normais.
Cultura
O texto propõe a revogação do Decreto n. 10.755/2021, que regula o fomento a ações culturais via mecanismo de incentivo fiscal em âmbito federal. Pretende-se criar “com agilidade” uma nova regulamentação para o mecanismo, como uma das primeiras medidas do novo governo na área da cultura.
Além disso, o relatório sugere que Lula edite despacho orientando a futura ministra da Cultura, Margareth Menezes, a revisar o teor de atos da Secretaria de Cultura que prejudicaram o setor.
Igualdade racial
“O diagnóstico quanto às questões relativas à igualdade racial indica a gravidade dos efeitos do governo Bolsonaro no sentido de desmobilizar a afirmação de direitos e impedir processos de reparação histórica”, considera o texto. “Nesse sentido, sugere-se a revisão de atos normativos de cunho especialmente grave”.
O texto sugere que o presidente oriente o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Fundação Palmares a revisarem atos normativos que paralisaram e dificultaram os processos de reconhecimento de comunidades quilombolas os seguintes atos normativos: | Resolução INCRA nº 29/2020, que paralisou a política pública de demarcação de territórios quilombolas e a portaria n. 189/2020, editada pelo então presidente da Fundação Palmares, Sergio Camargo, que excluiu do rol de personalidades negras nomes como o compositor Gilberto Gil, a deputada Benedita da Silva (PT-RJ), a deputada eleita e futura ministra do Meio Ambiente Marina Silva (Rede-SP), a cantora Elza Soares e a escritora Conceição Evaristo, entre outras.
Há ainda a previsão de revogação de atos que reduziram a participação social no governo e o acesso das pessoas aos programas de regularização fundiária.
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