Volta e meia as emendas individuais orçamentárias aparecem no centro das discussões que pautam a relação entre o Executivo e o Legislativo no Brasil. É bem verdade que nos últimos anos, sobretudo após a aprovação da Emenda Constitucional nº 86 de 2015, que determinou a impositividade para o pagamento de tais emendas, esses debates têm como foco principal as análises sobre a relação entre a obrigatoriedade da liberação de recursos para todos os parlamentares, sem distinção, e a perda da autonomia do Poder Executivo em usufruir de tal instrumento para “comprar” o apoio dos políticos para garantir a aprovação de uma agenda de políticas.
Não à toa, ainda em 2020, o surgimento do orçamento secreto com a recriação das emendas de relator-geral (modalidade mais conhecida como RP-9) marcaria a criação de uma nova estratégia do governo para conseguir diferenciar os parlamentares de modo a recompensar aqueles que estivessem votando favoravelmente aos interesses do Executivo. Se de um lado, o uso do orçamento secreto significava a criação de uma nova ferramenta do governo para comprar o apoio dos parlamentares, do outro lado, para muitos analistas e integrantes da mídia, o uso do Orçamento Secreto foi interpretado como mais uma dentre outras evidências de que a impositividade das emendas individuais teria, na verdade, diminuído a autonomia do Poder Executivo frente as definições e usos da peça orçamentária brasileira.
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A despeito da constatação de que a impositividade das emendas individuais prejudicou e diminuiu o poder de diferenciação do governo frente aos seus fiéis parlamentares, Bonfim et al (2023) mostram, com evidências empíricas, que de fato todos os parlamentares, sem distinção, passaram a possuir quantidades semelhantes de emendas individuais orçamentárias liberadas pelo governo (leia o artigo aqui). Sem sombras de dúvidas, no que diz respeito especificamente a autonomia na liberação de recursos para os parlamentares, o governo perdeu parte significativa de seus poderes outorgados pela Carta de 1988.
Contudo, o mesmo não pode ser dito ou quaisquer afirmações podem ser feitas a despeito da autonomia em relação às definições da agenda de políticas que é construída e definida pelo Poder Executivo no momento da elaboração e execução da Lei Orçamentária Anual (LOA). Para além da prerrogativa de executar o orçamento de forma autorizativa, ou seja, sem a necessidade de efetivamente pagar e honrar com todos os gastos definidos na LOA, a Constituição aprovada em 88 garantiu ao Poder Executivo a prerrogativa única e exclusiva de definir todas as obras e políticas públicas a serem contempladas pelo orçamento anual.
Mas o que isso significa em termos práticos? Significa que, apesar da alteração da regra com a impositividade das emendas orçamentárias, a prerrogativa do Poder Executivo em definir a agenda de políticas a ser contemplada ou não pela LOA não foi alterada. Como já dito anteriormente, o pagamento obrigatório com as emendas individuais até pode ter diminuído a autonomia do Poder Executivo no que diz respeito ao gerenciamento e escolhas de gastos e pagamentos que ele deseja cumprir na LOA. Mas a alteração da regra não influi ou feriu diretamente a autonomia do Poder Executivo sobre as escolhas pelas políticas e obras que o governo deseja que sejam realizadas.
O caso do “cashback” das emendas individuais, recentemente anunciado pelo Governo Federal, serve como aviso e lembrete a essa autonomia sobre a definição da agenda de políticas a ser contemplada pelo governo. De acordo com a portaria editada pelo Poder Executivo no dia 14 de março, o “cashback” de emendas parlamentares funcionaria da seguinte forma: para cada emenda individual que for direcionada e apresentada ao Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), definido e totalmente estruturado pelo governo, o deputado ou senador ganha direito de ter mais uma emenda aceita e executada para a mesma área. Na prática, ao passo em que o parlamentar tem a certeza de ver duas de suas emendas serem pagas, o governo tem, finalmente, recursos adicionais para tirar as obras do PAC do papel.
Aparentemente, enquanto os parlamentares puxam a corda de um lado da peça orçamentária para deterem maior controle sobre a liberação de recursos na peça orçamentária, o Executivo faz força no sentido contrário para firmar e garantir que a despeito da alteração das regras de liberação de emendas, sua autonomia quanto a definição de obras, programas e políticas a serem elaboradas e concretizadas com o orçamento não seja perdida. E no meio dessas disputas por mais ou menos autonomia, a pergunta que permanece ainda sem muitas respostas é: quem leva o crédito pela política executada? Aquele parlamentar que conseguiu ter o recurso em mãos para alocar em uma política pública específica ou o Poder Executivo que, de fato, desenhou e estruturou a política? A única certeza que temos é que o eleitor ainda continua a ter autonomia suficiente para nos responder a esses questionamentos.
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