No início, as asneiras e obscenidades e truculências verbais de Bolsonaro, principalmente para aquele grupo de apoiadores na entrada do Palácio da Alvorada, pareciam uma simples curiosidade, um traço de personalidade, uma tentativa de parecer espontâneo, uma pessoa “como a gente”. Depois, ele foi aprofundando a flatulência vernacular e se soltando cada vez mais, principalmente após o vazamento daquela reunião ministerial que mais parecia um encontro de vagabundos bêbados num pé-sujo. A partir de então, Bolsonaro meteu o pé no cocô e desde então só vem se lambuzando.
Numa cópia mal desenhada do seu ídolo Donald Trump, passou a repetir tudo o que ele fez ou disse. Do autoritarismo ao negacionismo. Da truculência ao populismo descarado. E do uso da mentira como método de atuação política, quando, por exemplo, considera tudo o que sai na imprensa como mentira ou tentativa de desestabilizá-lo. Justamente eles dois – Bolsonaro e Trump – os políticos que mais fizeram uso das mentiras, que nas redes sociais ganharam o pomposo nome de fake news, para alavancar seus projetos políticos com uso dos disparos em massa de mensagens falsas. Pois justamente eles foram e são os que mais se queixam de serem vítimas de mentiras e de fraudes. Ora, pois.
Só que, ultimamente, as manifestações desrespeitosas do capitão desaguaram no mais repugnante vômito verbal, com uso aberto e público de palavrões da mais baixa qualistria, como ocorreu naquela churrascaria em que recomendou aos jornalistas que enfiassem o leite condensado nos respectivos furicos defecatórios e mandou todos os integrantes da imprensa à prostituta que os pariu. Desde que me iniciei nesta profissão mantenho um pacto de respeito com meus leitores. Nunca imaginei que um dia não conseguiria reproduzir textualmente as declarações do presidente do meu país. Do presidente do meu país, repito, e não de algum cretino desbocado que vez ou outra a gente encontra gritando palavrões por aí. Nisso, Bolsonaro conseguiu superar seu ídolo Trump, que tem todos os defeitos possíveis. Mas não consta que, em algum momento, tenha descido à sarjeta verbal em que se converteram as falas do capitão.
Escreva aí: o deputado que vá à PQP!
Quando trabalhava como repórter na sucursal do Jornal do Brasil em Brasília, o deputado baiano Prisco Viana, opositor do governador Antonio Carlos Magalhães, fez um discurso com duras críticas a ACM. O chefe da redação me incumbiu de ligar para o governador e ouvi-lo a respeito. Carlos Castelo Branco, o Castelinho, que estava perto e ouviu a recomendação, deu aquela risadinha irônica, típica de quando sabia que alguém ia se dar mal, no caso, eu e saiu de perto. Liguei para o Palácio de Ondina, identifiquei-me e, mesmo sem acreditar que teria sucesso, pedi para falar pessoalmente com o governador. Pois ele me atendeu. Na época não existia Tv Câmara para transmitir ao vivo o conteúdo das sessões. Por isso, tive de repetir palavra por palavra a transcrição taquigráfica das partes mais importantes do discurso de Prisco Viana, do qual ele ainda não tinha tido conhecimento. Ouviu tudo, em silêncio.
Ao final, perguntou se eu estava com caneta e papel. Sim, respondi. Então, ditou. Isso mesmo: ditou o que eu deveria escrever. “Escreva aí: O governador da Bahia, Antonio Carlos Magalhães, ao tomar conhecimento dos termos do discurso do deputado Prisco Viana, mandou o deputado à PQP. Escreva por extenso, viu?”, recomendou. Do outro lado da linha, mais branco que o papel onde pensava que ia anotar alguma reação do governador, perguntei se ele não queria falar objetivamente sobre as críticas, porque o jornal não publicava palavrões. Repetiu que a resposta era aquela e deu a conversa por terminada, com um sonoro e seco: “boa noite”. Agradeci por ter me atendido e desliguei. No dia seguinte, o JB publicou a matéria e a reação de ACM: “O governador Antonio Carlos Magalhães, irritado, não quis comentar as críticas”.
PublicidadeAté os ditadores respeitavam a liturgia
Outros tempos. Mesmo quando a própria autoridade recomendava que se repetisse ipsis literis o palavrão proferido, nós, da imprensa, simplesmente ignorávamos. Até porque eram raros os rompantes desse tipo. Que eu saiba, e já li muitos livros de memórias políticas, nenhum presidente antes de Bolsonaro proferiu palavrões em público. No máximo, em conversas privadas, e olhe lá. ]
Em telefonemas gravados, tanto Lula como Dilma foram flagrados dizendo palavrões. Insisto: em conversas privadas. Figueiredo, o último dos ditadores do ciclo militar, uma vez surpreendeu ao xingar por escrito oficiais da linha dura de FDPs, num panfleto contra a abertura política. Nos arquivos do Palácio do Planalto foi encontrado um telegrama de professores protestando junto a Figueiredo contra a demissão um colega que se opunha ao regime. Tinha uma anotação de próprio punho de Figueiredo com sua rubrica: “Vão à merda!” Foi o máximo onde avançou no uso de linguagem chula.
Porque mesmo os ditadores respeitavam a liturgia do cargo. Entre os civis, Fernando Collor só foi proferir um palavrão em público num discurso como senador, ou seja, não como presidente. Itamar Franco teve de repetir um palavrão ao ser chamado de FDP por Lula. Mas não consta que ele próprio tenha usado em qualquer momento um palavrão em público. Nem quando foi fotografado ao lado de Lilian Ramos, num desfile na Sapucaí. A modelo estava sem calcinha. De Deodoro pra cá, não se sabe de outros presidentes que tenham descido tão baixo na lama da linguagem quanto Bolsonaro. Ele se espoja na podridão da pocilga, e num lugar público como uma churrascaria, abre o esgoto que tem no lugar da boca e despeja a linguagem ignominiosa de que se orgulha.
Ei, Bolsonaro, vai tomar no SUS!
Se em algum momento um brasileiro qualquer mandar o presidente da República ir tomar em algum lugar impróprio ou procurar a prostituta que o pôs no mundo, usando todos os palavrões listados ou por listar no “Dicionário do Palavrão” de Mário Souto Maior, Bolsonaro não poderá reclamar. Nem de uma molecagem como a relativa ao SUS, citada acima, que vem rolando nas redes sociais. Não poderá reclamar de ter sido desacatado nem poderá reclamar de absolutamente nada. Estará apenas colhendo o que vem plantando. Pois terá se cumprido a terceira Lei da Física de Newton, segundo a qual a cada ação corresponde uma reação igual e contrária. Em outras palavras: quem fala o que quer, ouve o que não quer. E Bolsonaro vai ter de ouvir calado. Caladinho. Pianinho. Sem tossir nem mugir. Quem mandou não tampar o esgoto
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