Desde a erupção da crise de saúde decorrente do novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vem perdendo aliados importantes pelo caminho.
O pronunciamento veiculado em rede nacional de rádio e televisão na noite de terça-feira (24), no qual pediu o fim do “confinamento” e pediu reabertura das escolas, gerou reações negativas de deputados, senadores, prefeitos e governadores.
Um dos primeiros a se manifestar foi o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que está em isolamento domiciliar justamente por ter contraído o novo coronavírus. “Consideramos grave a posição externada pelo presidente da República hoje, em cadeia nacional, de ataque às medidas de contenção ao Covid-19. Posição que está na contramão das ações adotadas em outros países e sugeridas pela própria Organização Mundial da Saúde (OMS)”, disse ele por meio de nota subscrita também pelo presidente interino, Antônio Anastasia (PSD-MG).
Em seguida, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e outros parlamentares criticaram a fala do presidente e o fato de ter subestimado a gravidade da doença. Muitos apelaram aos cidadãos para ignorem a recomendação do chefe do Executivo.
O senador Major Olimpio (PSL-SP), antigo aliado de Bolsonaro e eleito na esteira do bolsonarismo, se manifestou afirmando que “ser aliado não é ser alienado”. O líder do PSL no Senado chamou a manifestação do presidente de “um verdadeiro desastre” e disse que ela foi na contramão do que o mundo está fazendo e das próprias orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS). Outro aliado, o deputado Coronel Tadeu (PSL-SP), disse que o posicionamento de Bolsonaro demonstrou clara falta de sintonia entre o governo federal e os governos estaduais. “É preciso afinar o discurso. Todos, sem exceção, precisam estar falando a mesma língua e urgente”, disse. Ele aproveitou para defender o isolamento social e elogiar a liderança do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.
Em seguida, houve forte reação entre governadores. As mais duras manifestações vieram dos chefes do Executivo de São Paulo, João Doria (PSDB), e de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), que anunciou rompimento com Bolsonaro, chamando-o de irresponsável e desrespeitoso. O governador goiano disse que, a partir de agora, só manterá contato com Bolsonaro por meio de comunicados oficiais.
Doria também repudiou o pronunciamento do presidente e ouviu como resposta que Bolsonaro não aceita “demagogia barata”. O governador paulista alegou que o presidente respondeu com um ataque descontrolado. “Ao invés de discutir medidas para salvar vidas, preferiu falar sobre política e eleições. Lamentável e preocupante. Mais do que nunca precisamos de união, serenidade e equilíbrio para proteger vidas e preservar empregos”, disse Doria.
Na mesma direção, a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) repudiou, em nota, as declarações do presidente e reafirmou que continuará seguindo, rigorosamente, as orientações da OMS. A entidade, que reúne os 406 municípios brasileiros, questionou se o ministro da Saúde corrobora a fala do presidente. Também disseram que a liderança de Bolsonaro e sua postura “irresponsável, alicerçada em convicções sem embasamento científico, que semeiam a discórdia e até mesmo a convulsão social” compromete as relações federativas.
Os posicionamentos oficiais se somam às dezenas de panelaços contra Bolsonaro que vêm sendo observados em diversas capitais do país desde a semana passada.
Perda de apelo nas redes sociais
O pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro em cadeia nacional acentuou o isolamento da base de apoio nas redes sociais, segundo análise da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV-DAPP). O discurso provocou uma forte convergência das posições em repúdio ao tom adotado como reação à crise do Covid-19.
No Twitter, houve leve queda da presença do grupo de “direita”, que inclui a base de apoio bolsonarista, enquanto os grupos “não alinhado” e de “esquerda” se uniram no tom crítico ao pronunciamento, que gerou 3,5 milhões de postagens apenas no intervalo entre 20h30de terça e a 0h de quarta. Pela primeira vez desde o anúncio, pela OMS, da pandemia do coronavírus, a análise identificou no Twitter uma união entre os grupos “não alinhado” e de “esquerda” em reação ao discurso do presidente Bolsonaro.
Apoiadores fieis
Ainda segundo a FGV, só permanece como mobilizador da base pró-governo o conjunto estável de parlamentares bolsonaristas, influenciadores alinhados a Olavo de Carvalho e os perfis do presidente e de sua família.
Um dos integrantes desse grupo é o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), que elogiou o pronunciamento do presidente. “A sua visão de estadista e a sua coragem em ir na contramão da histeria coletiva, construída sem critérios racionais, vão salvar as vidas de milhões de brasileiros. SALVAR VIDAS e PROTEGER EMPREGOS!”, escreveu ele em mensagem publicada nas redes sociais.
O filho 01 do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), também saudou o pronunciamento do pai: “Com coragem, Presidente Jair Bolsonaro faz pronunciamento para que onda do coronavírus seja menos mortal que a onda da recessão, logo a seguir”.
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