Cristiane Prizibisczki
((o))eco
O ex-presidente Jair Bolsonaro destinou ao Meio Ambiente, durante todo seu governo, apenas 0,16% do total do orçamento da União. O número, que refere-se à média dos quatro anos, considerando as despesas obrigatórias e discricionárias do poder Executivo, foi levantado com exclusividade pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), a pedido de ((o))eco. A base de dados foi o relatório “Depois do Desmonte – Balanço Geral dos Gastos da União 2019-2022”, lançado nesta segunda-feira (17).
Durante a gestão Bolsonaro, a área ambiental teve uma perda real de 17% na execução, passando de R$ 3,3 bilhões em 2019, para R$ 2,7 bilhões em 2022. Nos quatro anos, o Ministério do Meio Ambiente e suas autarquias executaram cerca de R$ 11,2 bilhões. Em termos comparativos, o Ministério da Defesa executou R$ 515,7 bilhões em todo o período. Na média, os recursos recebidos pelos militares no governo anterior representaram 7,3% do total do orçamento da União.
Na área ambiental, quem mais perdeu foi o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), com uma queda real de 32% nos quatro anos: saiu de R$ 1,8 bilhão em 2019 para R$ 744 milhões em 2022.
Leia também
O Ibama perdeu 8% de seu orçamento na última gestão, saindo de R$ 1,8 bilhão em 2019 para R$ 1,7 bilhão em 2022. Apesar da queda não tão acentuada, o Inesc lembra que o Instituto foi severamente impactado pela redução de pessoal. Em 2019, o Ibama possuía cerca de 1800 servidores na fiscalização ambiental. Em 2022, esse número caiu para 700, sendo que nem todos atuam em campo.
Na administração direta do Ministério, a execução financeira caiu 11,2% entre 2019 e 2022, passando de R$ 244 milhões para R$ 216 milhões. O resultado desta política foi o aumento de 60% no desmatamento na Amazônia e destruição sem precedentes nos outros biomas do país.
PublicidadeO relatório “Depois do desmonte” registra os impactos dos cortes de gastos não só na área ambiental do governo Bolsonaro, mas em áreas fundamentais de proteção aos direitos humanos, como saúde e educação. Segundo o Inesc, a política fiscal de Bolsonaro custou caro ao país, ao privilegiar “o equilíbrio fiscal em detrimento da vida e do bem-estar da população”.
“A vontade política e orientação política do governo passado foi para desmontar, desmantelar todas essas políticas. Com exceção da saúde e educação, que têm mínimos constitucionais, mas que ainda assim sofreram, todas as outras áreas sofreram cortes ao longo dos últimos quatro anos”, explicou a ((o))eco Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc.
Segundo ela, que é responsável pela análise da área ambiental no relatório, foram três os motivos principais para esse cenário de “terra arrasada”, expressão usada pela equipe de transição do governo Lula e replicada no documento do Inesc.
O primeiro foi o efeito do chamado Teto de Gastos, regra constitucional que limita o aumento das despesas ao crescimento da inflação. Implementada em dezembro de 2016, a regra foi amplamente utilizada por Bolsonaro para justificar a falta de investimentos em áreas essenciais – mas que foi quebrada por ele em quase R$ 800 bilhões durante os quatro anos.
O Teto de Gastos impacta sobretudo as despesas discricionárias, que são aquelas não obrigatórias e que o governo pode ou não executar. O problema, explica Alessandra Cardoso, é que ações de fiscalização, processos de regularização fundiária, titulação de territórios quilombolas e demarcação de terras indígenas, por exemplo, entram nessa categoria.
“Não existe um gasto obrigatório estabelecido na Constituição, um mínimo obrigatório para se gastar [em tais ações]. O que acontece é que essas áreas demandam esses gastos que são discricionários. Quero dizer, tirando o pessoal, o que que sobra para fazer política na ponta? Na medida em que está tudo congelado, já se tem um corte muito grande na capacidade dos governos executarem”, explica.
O Inesc também chama atenção para a decisão deliberada de Bolsonaro de “desmontar” certas estruturas e políticas de governo, que seria o segundo motivo para o cenário de “devastação” encontrado. “Isso acabou sendo um elemento adicional muito forte de pressão para que todo orçamento fosse desmontado.”
O terceiro elemento é o chamado Orçamento Secreto, usado como moeda de troca entre o governo Bolsonaro e políticos do Centrão para aprovação de pautas no Congresso. O valor anual das “emendas do relator” chegou a R$16 bilhões – quase seis vezes mais do que o orçamento anual da pasta de meio ambiente.
“O orçamento secreto significou muita corrupção, muito uso de recurso público em bases eleitoreiras. E quando a gente olha para o meio ambiente, para política indígenista, para a política para criança e adolescente, a gente viu que o orçamento secreto não foi para esses lugares”, diz.
Meio ambiente preterido
Historicamente, o Ministério do Meio Ambiente – agora também das Mudanças do Clima – sempre foi uma das pastas com menor orçamento no governo federal. Mas com Bolsonaro ele chegou ao fundo do poço.
O ano em que os órgãos federais com funções socioambientais receberam mais recursos foi 2014, quando o orçamento previsto chegou a R$ 13,1 bilhões. Em 2022, como descrito no início da reportagem, o orçamento não passou de R$ 2,7 bi.
Desse valor, mostra o Inesc, apenas R$ 890 foram destinados para as despesas discricionárias. Quase a metade – R$ 428 milhões – foi usada em ações de combate aos incêndios e desmatamento. Já alguns programas integrados no setor chegaram a desaparecer totalmente dos investimentos em 2022, como ciência, tecnologia e inovação; desenvolvimento regional e territorial; oceanos, zona costeira e antártida; segurança alimentar e nutricional, e por fim, educação de qualidade para todos.
Com a chegada de Lula ao poder, parte do orçamento do MMA foi recomposto e a cifra chegou a R$ 3,5 bilhões. Os recursos para a ação de “Prevenção e Controle de Incêndios Florestais nas Áreas Federais Prioritárias” saltou de R$ 38 milhões para R$ 83 milhões. “Controle e Fiscalização Ambiental”, executada pelo Ibama, passou de R$ 231 milhões para R$ 361,6 milhões. Prevenção a incêndios, realizada pelo ICMBio, vai receber R$ 114 milhões, ao invés dos R$ 70 milhões previstos por Bolsonaro.
Apesar dos valores recompostos, Alessandra Cardoso lembra que os cortes feitos por Bolsonaro foram em cima de valores já muito baixos e sobre estruturas institucionais precarizadas. “O desmonte foi muito grave, porque partiu de uma estrutura que já era frágil. Isso trouxe uma fragilidade institucional ainda maior”.
Por tal motivo, a reconstrução ambiental pelo governo Lula precisa ser muito mais profunda, diz.
O primeiro passo seria a recomposição de pessoal. O segundo passo é o comprometimento do governo com a área ambiental no Plano Plurianual (PPA). A ser implementado a partir de 2024, o PPA é o documento que orienta o planejamento e a gestão da Administração Pública nos próximos quatro anos.
“O desafio do atual governo que é de colocar o meio ambiente num outro patamar de prioridade política, porque, afinal, a gente fica falando aí de alguns milhões e não discute de forma mais estrutural, o que nós precisamos para ter, de fato, uma Política Nacional de Meio Ambiente, para ter um Sistema Nacional de Meio Ambiente. Isso vai demandar mudanças, talvez de Constituição, com Lei Complementar…. é preciso ainda analisar. Mas é preciso, de fato, que a gente consiga mudar esse patamar de responsabilidade compartilhada de recursos no nível interfederativo”, finaliza.
Texto produzido e publicado originalmente pelo site ((o))eco