Apesar de divergências com a primeira indicação do presidente Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF), lideranças e deputados da frente parlamentar evangélica, popularmente conhecida como bancada evangélica, afirmam que o alinhamento ao presidente continua integral. O segmento foi um dos mais ruidosos nas críticas à indicação do desembargador Kassio Nunes Marques, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, para o STF. Apoiadores do presidente alegam que o desembargador não é conservador, como queriam, e o associam à esquerda e a governos petistas.
Na noite de terça-feira (6), reportagens indicaram inconsistências no currículo acadêmico de Kassio. Entre os pontos questionados, está a equiparação de palestras e cursos a pós-doutorado. Ainda não está claro, porém, a proporção que essas questões assumirão no caminho que Kassio tem de percorrer antes de assumir a cadeira do decano Celso de Mello no Supremo. A indicação do desembargador já foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) e esta semana ele começou a conversar com senadores, responsáveis pela aprovação de seu nome. A sabatina no Senado ocorrerá no próximo dia 21.
De acordo com o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), a indicação de Kassio causou insatisfação geral dentro do segmento conservador, não ficando restrita apenas ao grupo evangélico.
“Particularmente, acho que ele [Bolsonaro] indicou um esquerdista e esperava alguém conservador. E lamento que ele tenha indicado esse nome, mas é um direito indicar quem ele quiser”, disse Sóstenes, que integra a diretoria da frente. Ele negou que exista melindre do grupo com a escolha do presidente. “Não existe nenhum mal-estar quanto a isso, desde que ele possa cumprir o que ele assumiu de compromisso público com os evangélicos.”
Na tentativa de se retratar com o grupo evangélico, que integra sua base eleitoral e parlamentar, Bolsonaro vem dizendo que já reservou a segunda indicação ao STF para um pastor. A vaga será aberta em julho de 2021, em decorrência da aposentadoria do ministro Marco Aurélio.
Apesar do barulho contra o indicado ao STF, algumas agremiações evangélicas manifestaram apoio à indicação. Entre elas, a Igreja Universal, denominação neopentecostal protestante fundada pelo bispo Edir Macedo, dono da Record TV. Em nota, a Universal diz que a indicação “pode representar um acréscimo à nossa Suprema Corte, sempre no caminho do desejável equilíbrio que toda a sociedade brasileira demanda e espera do Poder Judiciário”. O texto pontua que os bispos, pastores e fiéis e simpatizantes da Universal têm a expectativa de que o nome escolhido “saberá honrar a cadeira que ocupará no STF, em benefício de um país e de uma Justiça menos desiguais, como determina a Constituição Federal”.
Na visão do deputado Roberto de Lucena (Podemos-SP), que integra uma agremiação pentecostal (O Brasil para Cristo), Kassio Nunes aparenta ter formação adequada e notório saber jurídico. O deputado, que foi ouvido pela reportagem antes da divulgação de inconsistências no currículo do desembargador, considerou a escolha técnica e em atendimento aos pressupostos constitucionais. “Confio muito no seu discernimento, na decisão que Bolsonaro tomou”, disse ele.
Roberto de Lucena entende que o próprio presidente gerou expectativas por um nome com perfil diferente do de Kassio. “No primeiro momento, houve uma natural reação porque o nome colocado pelo presidente não estava alinhado com o perfil desenhado por ele mesmo nas manifestações anteriores”, pontuou.
Expectativa pela segunda vaga
A expectativa agora é pela segunda indicação que o presidente poderá fazer à Suprema Corte, em meados do ano que vem. “Entendi que o presidente Bolsonaro não se descuidou da expectativa que ele gerou, mas que ele havia relegado, havia transferido isso para um segundo momento”, disse de Lucena.
Em culto em homenagem a um líder da Assembleia de Deus em São Paulo na noite de segunda-feira (5), Bolsonaro rebateu críticas que tem recebido no meio evangélico pela indicação de Kassio e prometeu que a segunda vaga será entregue a um pastor.
“Alguns um pouco precipitados achavam que devia ser a primeira vaga do STF. Será a segunda em julho do ano que vem. Mais que um terrivelmente evangélico, será um pastor. Imagine a sessão daquele Supremo começar com uma oração. Tenho certeza que isso não é mérito meu. É a mão de Deus”, afirmou Bolsonaro durante as comemorações do aniversário do pastor José Wellington, de 86 anos, líder da Assembleia de Deus Ministério do Belém, na capital paulista.
Aproximação com o Centrão
Eleito com a promessa de que negociaria diretamente com bancadas temáticas no Congresso, em vez de partidos, Bolsonaro reajustou a articulação política este ano e passou a conversar com siglas do Centrão, bloco informal de centro e direita.
Como alguns membros da frente parlamentar evangélica integram partidos do Centrão, a aproximação não é, em geral, mal vista. “Num Estado Democrático de Direito, ele precisa de coalizões com todo mundo, inclusive com o Centrão”, disse o deputado Sóstenes, que é do DEM. Ele apontou que é preciso trazer os partidos para a política e fazer as composições. “Ele precisa de base parlamentar e o presidente age corretamente quando busca pessoas ligadas ao Centrão para formar sua base. Deveria ter feito no início do governo.”
Apesar das divergências recentes, evangélicos afirmam que o presidente continua contando com seu suporte. O pastor Silas Malafaia, uma das vozes mais duras contra a indicação de Kassio, já expressou que o alinhamento com o presidente continua firme. “Não espere de mim bajulação. Espere de mim lealdade e sinceridade. Continuo apoiando Bolsonaro e discordando dessa indicação que não representa alguém terrivelmente da direita”, disse Malafaia em vídeo. Outro aliado de Bolsonaro, o ex-senador Magno Malta, fez críticas mais leves, também frisando que as ponderações não interferem no apoio ao presidente.
Nem mesmo o veto ao perdão das dívidas das igrejas foi suficiente para interferir na relação de Bolsonaro com a agremiação evangélica. O próprio presidente recomendou aos parlamentares que derrubem seu veto. “O apoio continua integral. Eu não vejo nenhum tipo de afastamento”, disse o deputado Roberto de Lucena.
O deputado Sóstenes comparou a relação do grupo com o presidente a um casamento. “Tem dia que amanhece com algum problema. É normal. A nossa união é ideológica, então não existe rompimento nenhum”, frisou. Em sua avaliação, só haveria uma rachadura da aliança com o presidente em caso de envolvimento claro do chefe do Executivo com corrupção. “Fora disso, não existe”, declarou Sóstenes.
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