Bráulio Santiago Cerqueira *
Enquanto as atenções se voltam para as eleições de outubro, o governo Temer, instado pelos mercados e auxiliado pela alta tecnocracia, vem acelerando a agenda de reformas (ou contra-reformas) implementadas sem nuances, desde 2016, em desfavor do mundo do trabalho e da soberania nacional.
Os sucessivos recordes de impopularidade, a inviabilidade eleitoral dos candidatos associados ao governo, ou a realidade atual com 14 milhões de desempregados, informalidade e precarização generalizados, volta do país ao mapa mundial da fome, destruição dos serviços e bens públicos retratada simbolicamente no incêndio do Museu Nacional, nada disso diminuiu o ímpeto reformista orientado pelo e para os mercados.
Há apenas uma semana do primeiro turno das eleições terá lugar a quinta rodada de partilha de produção do pré-sal com participação no leilão de companhias chinesas, britânicas, norueguesas e norte-americanas, dentre outras. A justificativa para a pressa seria a incerteza trazida pelo processo eleitoral – que, a depender do desfecho, pode significar a revisão das regras de participação privada e estrangeira na exploração do pré-sal.
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Na mesma toada, de alijar o povo das decisões estratégicas, neste mês de setembro a equipe econômica sugeriu que a reforma da previdência de Henrique Meirelles e Temer, interrompida pelo escândalo político da JBS e pela resistência popular, poderia ser votada e aprovada após as eleições, mas ainda em 2018. Seria uma forma de minimizar os danos à popularidade dos próximos parlamentares e do novo governo. Centrada na exclusão previdenciária e na redução do valor dos benefícios, silenciosa em relação às receitas, às renúncias fiscais e à solidariedade do sistema, a proposta de reforma conduzida a toque de caixa ao final da atual legislatura disputa a simpatia dos candidatos mais ligados ao mercado.
No serviço público, os ataques às condições de trabalho recrudesceram. Não bastam a terceirização irrestrita no setor privado, a revisão ampla da CLT, o colapso das receitas das entidades sindicais dos trabalhadores privados, a estagnação real dos rendimentos: os servidores também devem ser integrados à precarização do mercado de trabalho.
A política remuneratória inscrita na regra do teto de gastos é de congelamento nominal até 2036. E, na ótica do governo, nem os acordos salariais transformados em lei antes da regra precisam ser cumpridos. Em agosto foi editada a Medida Provisória (MP) 849/2018, que adia em 12 meses a última parcela negociada da recomposição salarial de algumas carreiras do Executivo Federal. Militares, Legislativo e Judiciário ficaram de fora da MP. O governo tentou a mesma manobra ano passado com a MP 805/2017 e terminou derrotado no Supremo Tribunal Federal (STF), que se pronunciou pela inconstitucionalidade da medida.
A terceirização também avança na administração federal. O Decreto 9.507/2018, de 21 de setembro, que dispõe sobre o assunto, conferiu amplos poderes ao ministro do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão para definir o que será e o que não será terceirizado na administração pública (artigo 2º). Assim, o recrutamento de pessoal para o serviço público federal, em vez de regido pelo princípio constitucional do concurso, passa a se subordinar às vontades do ministro do Planejamento, colocando em risco a impessoalidade, continuidade e qualidade dos serviços prestados à população.
Também em setembro, a Secretaria de Gestão de Pessoas do Ministério do Planejamento decidiu uniformizar a jornada de trabalho e o controle de frequência na administração pública federal (Instrução Normativa n. 2, SGP/MPDG). Atividades distintas como auditoria, administração do caixa, planejamento, investigação policial, diplomacia, advocacia, gestão de políticas finalísticas e pesquisa, dentre outras, deverão agora passar, em tese, pelo mesmo tipo de controle de frequência.
As novas regras impõem a compensação pelo servidor de horas dedicadas às atividades sindicais, inclusive por dirigentes classistas; limita as ausências no trabalho por problemas de saúde; impede a conversão das horas em sobreaviso em horas trabalhadas; e condiciona o cômputo das horas de trabalho excedentes registradas em sistema eletrônico à aprovação da chefia. Ao dificultar e, em alguns casos, impedir a prática sindical, a medida representa sério obstáculo à organização dos servidores, além de aprofundar no campo das relações de trabalho no serviço público as tendências à relativização de direitos e degradação do clima organizacional.
Setembro não acabou e ainda há outubro pela frente. O momento preocupa. Governo e tecnocratas, mais realistas que o rei, não escondem a ansiedade em entregar ao mercado o que restou do butim do patrimônio público e dos direitos sociais e civis. Ao que parece, ainda há chance de evitar o abismo.
* Mestre em Economia, auditor federal de Finanças e Controle e secretário-executivo do Unacon Sindical.
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