André Horta, Rodrigo Orair e Sergio Gobetti *
A sociedade brasileira banca subsídios e desonerações fiscais a setores econômicos diversos que já chegam a R$ 453 bilhões por ano, dos quais R$ 88,5 bilhões decorrem do Simples, um regime que simplifica o recolhimento de impostos para micro e pequenas empresas e, além disso, reduz muito a carga tributária comparativamente ao modelo normal de tributação.
Não contente com isso, a Câmara dos Deputados prepara para a próxima semana a votação de um Projeto de Lei Complementar (PLP 108/2021) que, a pretexto de “corrigir monetariamente” o limite de adesão ao Simples de R$ 4,8 milhões para R$ 8,7 milhões, aumenta o gasto tributário em mais R$ 66 bilhões anuais.
Essa decisão, além de ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal, é um grave erro que prejudica o crescimento econômico e amplia a injustiça no país. Isso porque, em primeiro lugar, quando um setor passa a pagar menos impostos, essa carga tem que ser coberta pelos demais e, pela história do país, sabemos que a corda geralmente arrebenta no lado mais fraco.
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Em segundo lugar, o atual limite máximo de faturamento para que as empresas adiram ao Simples já é extremamente alto para padrões internacionais, constituindo um dos fatores por trás do fenômeno da crescente pejotização, no qual profissionais liberais e prestadores de serviços que ganham milhões de reais criam empresas para pagar muito menos imposto do que pagariam como pessoas físicas.
Na prática, no lugar de incentivar o empreendedorismo, o Simples está estimulando o fechamento de postos de trabalho ou servindo para mascarar vínculos empregatícios, o que diminui a formalização da economia brasileira, com reflexos negativos na arrecadação de impostos e também na perda de receita da Previdência Social.
Além disso, a ampliação do Simples também aumenta a concentração de renda no Brasil, que está entre as maiores do mundo. Isso acontece porque a legislação vem tratando pessoas jurídicas de alta capacidade econômica em melhores condições do que as pessoas físicas. Com isso, hoje um trabalhador assalariado já paga cerca de 300% a mais de imposto do que os sócios de empresas do Simples ou do Lucro Presumido, o que viola flagrantemente o princípio da equidade.
Por tudo isso, um estudo da FGV de 2019 chegou à conclusão de que o Simples se tornou um obstáculo ao crescimento e à redução das desigualdades. Ao criar benefícios para determinadas categorias de empresas, tributando mais outros setores, o regime estimula a que as mesmas não cresçam e premia a ineficiência.
Ao elevar o limite para que mais empresas entrem no Simples, o parecer do relator do PLP 108/2021, deputado Darci de Matos (PSD-SC), vai agravar imensamente os custos e as distorções desse regime tributário, distanciando-o dos seus objetivos originais e beneficiando pessoas que, pelos dados da Receita Federal, estão entre os 0,1% mais ricos do Brasil.
Por fim, vale lembrar que a tentativa de aumentar os limites do Simples faz parte de uma triste tradição dos congressistas brasileiros. Estudo de Marta Arretche, Eduardo Lazzari e Rodrigo Mahlmeister, do Centro de Estudos da Metrópole,da USP, com apoio da Samambaia Filantropias, mostra que desde 1988 quase todas as medidas tributárias propostas ou analisadas por parlamentares foram no sentido de aumentar a regressividade dos impostos ou criar isenções e regimes especiais para grupos específicos, agravando a concentração de renda.
Entre 1989 e 2020, os parlamentares propuseram ou analisaram 4.841 projetos, medidas provisórias ou propostas de emenda à Constituição na área tributária. Só 5% (247) dessas proposições foram progressivas, no sentido de tributar as camadas mais ricas ou aliviar as mais pobres (como na isenção a produtos da cesta básica).
Já passou da hora de deputados e senadores terem mais responsabilidade com o país. Se querem fazer justiça social, no lugar de ampliar as renúncias tributárias deveriam repensar os mecanismos que ampliam as nossas desigualdades.
* André Horta é diretor institucional do Comitê Nacional dos Secretários de Estado da Fazenda (Comsefaz) e assessor federativo da Secretaria da Fazenda do Estado do Piauí. Rodrigo Orair, ex-diretor da Instituição Fiscal Independente do Senado Federal, é pesquisador do Made/USP e do Ipea. Sergio Gobetti, pesquisador do Ipea e doutor em Economia pela UnB, foi secretário-adjunto de Política Fiscal e Tributária do Ministério da Fazenda.
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