A reserva legal em áreas de Floresta Amazônica está na mira de um projeto de lei pronto para ser votado a qualquer momento na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. O PL 3334/23 permite a redução da reserva legal de 80% para 50% em municípios cujos territórios sejam mais da metade ocupados por áreas protegidas.
Com isso, o texto flexibiliza o desmatamento na região, o que contribui para o aumento do aquecimento global, principal causa da maior tragédia ambiental da história do Rio Grande do Sul, que deixou mais de 100 mortos e milhares de desabrigados. O projeto estava na pauta da CCJ da última quarta-feira, mas teve sua votação adiada porque o relator faltou à reunião. O texto, no entanto, pode ser analisado já na próxima semana.
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De acordo com nota técnica da Secretaria de Controle do Desmatamento do Ministério do Meio Ambiente, que aborda apenas o quantitativo de área florestal, os impactos da eventual redução de 80% para 50% da área de reserva legal representam potencial desmatamento de pelo menos 28,17 milhões de hectares, ou 281.661 km². Essa é a área ocupada, por exemplo, pelo Rio Grande do Sul, nono maior estado do país em território.
A área que potencialmente poderá ser desmatada corresponde a 31 vezes a taxa de desmatamento registrada na Amazônia Legal, entre agosto de 2022 a julho de 2023. Conforme o Prodes/Inpe, foram desmatados cerca de 9.000 km² nesse período. Além disso, a derrubada representaria uma emissão de CO2 superior a sete vezes da emissão anual total do país.
“Esta Nota Técnica posiciona-se de forma contrária ao Projeto de Lei nº 3.334/2023, que se aprovado pode contribuir consideravelmente para o alcance do ponto de não retorno da floresta amazônica – estágio em que a redução da cobertura florestal não possibilita a quantidade de chuva necessária para garantir a manutenção da própria floresta, comprometendo radicalmente as condições de vida e os sistemas produtivos regionais. Segundo o ministério, a mudança tornaria inviável o cumprimento das metas do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), que tem o objetivo de zerar o desmatamento até 2030.
Desenvolvimento econômico
A proposta, de autoria do senador Jaime Bagattoli (PL-RO), é relatada por Márcio Bittar (União-AC), ambos integrantes da bancada ruralista. Bagatolli alega, na justificativa da proposição, que a mudança na lei pretende reparar um “ônus imposto desigualmente” sobre as propriedades rurais da Amazônia Legal, uma vez que na região o percentual da manutenção da vegetação nativa é maior que em outras regiões. Autor e relator alegam que a medida vai promover o desenvolvimento econômico.
Publicidade“O objetivo desse projeto é poder aumentar a área de plantio, de colheita da Amazônia para gerar emprego, para gerar economia e para gerar abastecimento. É basicamente isso”, disse Márcio Bittar ao Congresso em Foco. “Tem uma área muito pequena para produzir. O município que atingir 50% ou mais de intocabilidade, a gente vai premiar o proprietário particular diminuindo de 80% para 50%, então ele vai poder aumentar um pouco a sua produção”, explicou.
Márcio Bittar define a medida como um “prêmio mínimo” para os proprietários desses municípios. O senador acrescenta ainda que o atual percentual de preservação da Amazônia Legal “não existe em nenhum lugar do mundo e tem um requinte de crueldade”, pois, segundo ele, o proprietário hoje sofre “desapropriação” do próprio terreno por ter de manter a vegetação nativa e ser responsável por ela.
Gravíssima ameaça
Presidente da Frente Parlamentar Ambientalista no Senado, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA) tem liderado a oposição ao projeto. Em março, inclusive, a senadora pediu vistas, isto é mais tempo de análise do texto, o que impediu a votação na CCJ na ocasião. “Esse projeto é uma gravíssima ameaça à proteção das áreas florestais da Amazônia e, uma vez aprovado, reduzirá drasticamente a cobertura vegetal nativa”, diz a parlamentar em nota.
“Temos o compromisso de não deixar avançar essa política predatória ambiental. Recorreremos a todos os expedientes regimentais para derrotar essa matéria. Nós acreditamos, sim, em mudanças climáticas e nos importamos com as atuais e futuras gerações. Temos que ter a responsabilidade de frear algo tão nocivo ao Planeta que é o PL. 3334/2023”, complementa Eliziane.
O relator do projeto afirma estar preparado para eventualmente debater com os ambientalistas. “Eu estou preparado para o debate com eles, sempre tive. Eu estudo, leio. Por exemplo, a dúvida sobre mudança climática não é de agora, a dúvida é qual o efeito que o homem tem nela”, afirmou Bittar.
O senador também argumenta que as negociações pela aprovação serão de responsabilidade de Jaime Bagattoli. “Ele que tem legitimidade para negociar, como fez com o Contarato, e aceitar alguma emenda que facilite a aprovação do conteúdo principal”, complementa.
Punhalada nas costas
O PL 3334/2023 faz parte do conjunto de 25 projetos de lei e três propostas de emenda à Constituição batizado pelos ambientalistas como “pacote da destruição”, como mostrou o Congresso em Foco. Para Maurício Guetta, consultor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA), esse projeto é um dos “mais nocivos” ao clima. Ele argumenta que a Floresta Amazônica é essencial para o combate às mudanças climáticas, e a derrubada contribui diretamente para o aquecimento global. Segundo Maurício, não é condizente no atual momento de sensibilização pela tragédia climática aprovar um projeto que pode ocasionar novos desastres ambientais.
“As florestas desempenham um papel essencial para o combate às mudanças climáticas. Se o Senado insistir em avançar com esse projeto, os senadores estarão dando uma punhalada nas costas do povo do Rio Grande do Sul e de todo o Brasil que está sensibilizado com uma tragédia climática, sendo que este é, sem dúvida alguma, um dos projetos mais nocivos ao clima que nós temos em tramitação no Congresso Nacional porque atinge o coração da Proteção Ambiental no Brasil e no mundo que é Amazônia.”
Pela tramitação, o projeto está dispensado de ser analisado pelo plenário e poderá ser enviado à Câmara caso passe pela CCJ e pela Comissão de Meio Ambiente. O texto só será submetido à análise dos 81 senadores se houver recurso assinado por nove parlamentares.
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