A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou nesta quarta-feira (14) o projeto de lei complementar (PLP 192/2023) que altera as regras de inelegibilidade da Lei Complementar nº 135/2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa. A matéria é relatada pelo senador Weverton Rocha (PDT-MA) e a votação foi simbólica, ou seja, não houve registro formal dos votos. Na prática, a minirreforma reduz o prazo de inelegibilidade para políticos condenados criminalmente. Os parlamentares também aprovaram a urgência do texto, que agora segue para o plenário da Casa.
A atual legislação estabelece que o prazo para a contagem da inelegibilidade começa após o cumprimento da pena. Uma pessoa presa por quatro anos, por exemplo, ficará inelegível por 12. O novo texto, porém, começa a contagem no momento da sentença. Isso abre precedente, por exemplo, para que um candidato fique elegível durante o cumprimento de sua pena. Defensores do projeto alegam que o atual critério é desproporcional, podendo deixar um candidato afastado de seus direitos políticos por mais de uma década.
O projeto foi aprovado na Câmara em 2023 mirando as regras para as eleições de 2024. Desde então, ficou emperrado no Senado.
Para o advogado e ex-juiz eleitoral Márlon Reis, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, o projeto representa retrocesso de uma conquista popular. “A redução dos prazos de inelegibilidade vai na contramão da gigantesca mobilização social que deu origem à Lei da Ficha Limpa. É a primeira vez que se tenta uma forma tão lamentável de afrontar essa conquista popular”, salienta o advogado.
A Lei da Ficha Limpa impede a candidatura de pessoas que tiveram representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou dada por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso de poder econômico ou político.
PublicidadeLei de Inelegibilidade
Márlon reforça que é uma “ousadia do Congresso” alterar a norma, que, segundo ele, deveria ser um patrimônio da democracia brasileira. Para ele, os eleitores sequer tiveram tempo de colher os benefícios da Lei da Ficha Limpa, sancionada em 2010.
“Não houve nenhum sinal que mostrasse a necessidade de redução de prazo de inelegibilidade, porque os problemas não melhoraram. Não faz sentido amenizar uma lei que nem teve tempo de surtir os efeitos desejados pela sociedade. A quem beneficia a redução dos prazos de inelegibilidade?”, questiona.
O projeto altera a Lei de Inelegibilidade para definir que o período de inelegibilidade passe a ser único, de oito anos, contados a partir da data da decisão que decretar a perda do mandato, da data da eleição na qual ocorreu prática abusiva, da data da condenação por órgão colegiado ou da data da renúncia ao cargo eletivo, conforme o caso. As novas regras, caso o projeto vire lei, terão aplicação imediata, até mesmo para condenações já existentes.
O jurista é um dos membros da Comissão de Fundadores e Fundadoras da Associação Brasileira de Eleitoralistas (ABRE), entidade que se pronunciou publicamente nesta terça-feira (20) contra a aprovação do projeto. De acordo com o colegiado, o PLP 192/2023 atinge “o coração da Lei da Ficha Limpa”, reduzindo drasticamente a inelegibilidade para crimes graves como homicídio, estupro, organização criminosa, tráfico de drogas, entre outros.
“Em suma, o PLP nº 192/2023 pretende afrouxar, de maneira nítida e acentuada, as restrições à elegibilidade de indivíduos com vida pregressa incompatível com o exercício de mandatos eletivos, que foram instituídas pela Lei das Inelegibilidades com redação dada pela Lei da Ficha Limpa”, resume a Abre.
Veja abaixo o posicionamento da Comissão de Fundadores e Fundadoras da Associação Brasileira de Eleitoralistas.
“NOTA PÚBLICA DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ELEITORALISTAS EM REPÚDIO AO PLP nº 192/2023
A Comissão de Fundadores e Fundadoras da Associação Brasileira de Eleitoralistas (ABRE) vem a público manifestar sua incontida indignação e irrefreável revolta diante do Projeto de Lei Complementar nº 192/2023, que ora retorna à pauta de votações do Senado, em razão dos gravíssimos retrocessos que representa para as normas eleitorais, em especial para a Lei da Ficha Limpa.
Em primeiro lugar, o PLP nº 192/2023 altera a alínea ‘e’ do art. 1º, I, da Lei das Inelegibilidades, afrouxando o regime de inelegibilidade e facilitando a candidatura para condenados por crimes gravíssimos.
Ora, referida alínea ‘e’, que impõe inelegibilidade em razão de condenação por certas categorias de crimes especialmente graves, constitui o que se pode chamar de “coração” da Lei da Ficha Limpa. Trata se de sua principal razão de ser, do principal motivo que impulsionou a gigantesca mobilização popular havida em favor da sua aprovação.
A inaceitável proposta contida no PLP nº 192/2023 pretende extinguir a inelegibilidade “após o cumprimento da pena” na hipótese de condenação criminal. A inelegibilidade por 8 anos incidiria apenas após a condenação por órgão colegiado. Dessa forma, o projeto reduz drasticamente o prazo de inelegibilidade de condenados por crimes gravíssimos – como homicídios, estupros, tráfico de drogas, organização criminosa, entre outros crimes hediondos. Em alguns casos, indivíduos condenados por tais crimes nem mesmo ficariam inelegíveis, pois ao contar o prazo de 8 anos da condenação por órgão colegiado, e não do término da pena, esses indivíduos, ao término da pena, já teriam cumprido o prazo de inelegibilidade.
Eventual aprovação de projeto de lei que enfraqueça ou minimize o alcance da alínea ‘e’ possibilitaria a candidatura de indivíduos que claramente não ostentam vida pregressa compatível com o que se espera de governantes e legisladores, em frontal violação do princípio da proteção da moralidade para o exercício dos mandatos, considerada a vida pregressa dos candidatos, consagrado na Constituição.
O projeto contém alteração similar relativa a outra alínea sensível da Lei das Inelegibilidades, a alínea “l”, que trata de condenações por improbidade administrativa. Ele prevê, do mesmo modo, que a inelegibilidade de 8 anos incida apenas após a condenação por órgão colegiado, e não ao final da pena de suspensão de direitos, fazendo com que ao final da pena de suspensão de direitos os indivíduos condenados por improbidade administrativa já tenham cumprido o prazo de inelegibilidade.
Como se não bastasse, o projeto acrescenta à alínea “l” a expressão “na parte dispositiva da decisão”, passando a exigir que os requisitos cumulativos de enriquecimento ilícito e lesão ao patrimônio público constem expressamente do dispositivo da condenação, o que praticamente inviabiliza a incidência de inelegibilidade em casos de improbidade administrativa.
E o que é pior mais grave, o projeto permite a aplicação das novas regras aos “processos em curso e aos transitados em julgado”. Ou seja, permite a aplicação da nova contagem de prazo de inelegibilidade a eleições já concluídas, causando um enorme risco de alteração dos mandatos em curso.
Com efeito, a reversão de registros indeferidos importaria na recontagem de votos, alteração dos quocientes partidário e eleitoral, maiores médias e a retotalização dos resultados, com a substituição de parlamentares federais, estaduais e municipais, causando um verdadeiro caos político e insegurança institucional e jurídica.
O projeto estabelece, por fim, a unificação de todas as inelegibilidades ocorridas no período em no máximo 12 anos. Referida norma ofende o princípio da isonomia, pois trata de forma semelhante indivíduos que recebem sistematicamente diversas condenações aptas a gerar inelegibilidade com aqueles que tiveram uma ou duas intercorrências em sua vida.
A nova regra, inclusive, pode produzir situações anômalas e absurdas, bem como até incentivar o cometimento de novos ilícitos, pois não gerariam mais inelegibilidade. Exemplificando: caso determinada pessoa, durante os 8 anos de inelegibilidade, inclusive no 7º ano, cometa diversos outros crimes ou ilícitos que geram inelegibilidade, terá sua restrição eleitoral limitada em apenas 12 anos. Ou mesmo, no 10º ou 11º ano de inelegibilidade cometa novos ilícitos, ainda assim, terá sua inelegibilidade limitada a 12 anos, o que é absurdo.
Em suma, o PLP nº 192/2023 pretende afrouxar, de maneira nítida e acentuada, as restrições à elegibilidade de indivíduos com vida pregressa incompatível com o exercício de mandatos eletivos, que foram instituídas pela Lei das Inelegibilidades com redação dada pela Lei da Ficha Limpa.
Nunca é demais lembrar que a Lei da Ficha Limpa resultou de um Projeto de Iniciativa Popular que teve o apoio de mais de um milhão e seiscentos mil eleitores, e teve sua constitucionalidade reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal.
Reverter essa conquista histórica e democrática atenta contra a soberania popular, contraria o interesse público e serve apenas para dar livre acesso à candidatura a cargos eletivos a indivíduos que deveriam estar fora do processo político.
Diante do exposto, a Comissão de Fundadores e Fundadoras da Associação Brasileira de Eleitoralistas (ABRE) exorta os senadores e senadoras do Brasil a dignificar o mandato recebido pelo voto popular e a VOTAR CONTRA o PLP nº 192/2023 !
Brasília, 20 de agosto de 2024.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ELEITORALISTAS
Márlon Reis
Edson de Resende Castro
Milton Lamenha de Siqueira
Moisés Casarotto
Olivia Raposo da Silva Telles
Paulo Madeira
Rafael Estorílio
Valéria Paes Landim”
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