Em 1º de fevereiro de 2021, uma noite de céu limpo em Brasília, o Congresso Nacional estava lotado como há pelo menos 11 meses não estava: ainda abatido pela pandemia de covid-19, que ainda nem havia chegado ao seu ápice de casos e mortes, os 513 deputados e 81 senadores compareceram em maioria quase absoluta às suas casas legislativas para eleger as novas mesas diretoras e, principalmente, os presidentes da Câmara e do Senado.
O resultado que emergiu poucas horas depois, apesar de não ser surpreendente, tornou a noite eletrizante: o mineiro Rodrigo Pacheco, então no Democratas de Minas Gerais, saiu eleito presidente do Senado e do Congresso Nacional, em uma tranquila votação que uniu apoios que foram de governistas a membros do PT. Horas depois, a confirmação de uma surpresa guardada até o final: Arthur Lira (PP-AL) venceu ainda em primeiro turno a eleição para a presidência da Câmara, deixando para trás Baleia Rossi (MDB-SP), apoiado pelo então presidente Rodrigo Maia, à época no Democratas do Rio de Janeiro. Fogos cortaram o céu da capital federal à meia noite, uma raridade para o momento do ano e ainda mais para a ocasião.
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Um ano depois, ambos demonstraram ser diferentes em tudo: na relação com o governo, na relação com seus pares e mesmo nos objetivos que os motivarão em 2022. De estilo mais comedido, Pacheco migrou para o Democratas, onde passou parte do período ostentando a fama de conciliador – e onde, em um primeiro momento, indicou estar próximo do governo mas ainda sim sendo capaz de escutar os anseios da oposição; Lira adotou uma rotina própria de votações onde projetos considerados estruturais ou relevantes eram levados diretamente ao Plenário, com pouca discussão dos parlamentares. Não poucas vezes, Lira foi acusado de atropelar as discussões em troca de aprovação dos projetos.
A agregação que Pacheco conseguiu em torno do seu nome foi testada em dois momentos principais em 2021: na primeira, quando levou semanas para autorizar a abertura da CPI da Covid, que deveria investigar as ações e omissões do governo federal no combate à pandemia até aquela época – provocando a ira de parte dos 34 senadores que haviam pedido a abertura. A CPI só foi instalada após ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso chancelada pelo Plenário.
O outro momento ocorreu no final do ano, durante a discussão da PEC dos Precatórios no Senado: o texto, que permite ao governo romper o teto de gastos, causou ainda mais polêmica ao ser fatiado em dois, para poder ser aprovado com urgência. Senadores chegaram a cobrar Pacheco publicamente.
Já Lira, considerado um dos líderes do “Centrão”, passou o ano como um dos homens responsáveis por fatiar, entre os parlamentares da base aliada, parte significativa do Orçamento da União. Com as chamadas emendas de relator, designadas pela cúpula do Legislativo e apontada como arma de compra de apoio pela oposição na Câmara, Lira cimentou seu poder e garantiu votações de interesse ao governo durante todo o ano. Em raros momentos, sua soberania foi ameaçada: na mais memorável delas, o Plenário falhou em passar uma PEC que aumentava a interferência do Legislativo no Ministério Público, por 11 votos.
PublicidadeAmbos foram eleitos com o apoio do Planalto, lembra o cientista político André Pereira Cesar. “Eles levaram juntos uma ideia de abrir espaço à agenda governista, favorável à pauta econômica e às privatizações”, lembra. “Mas ao longo do tempo eles acabaram se distanciando um do outro. O Lira mantém sua fidelização ao Planalto – tanto que o Centrão é fundamental na questão do apoio e da sustentação e governabilidade. Por outro lado, o Pacheco foi se afastando, para a crítica de nomes próximos ao Planalto, saindo do DEM e indo para o PSD já com uma proposta eleitoral.”
E este é o ponto que mais distancia os objetivos do mineiro e do alagoano neste início de 2022. Ainda tímido nas intenções de voto para presidente, Pacheco foi lançado pré-candidato pelo partido, que buscou projetar nele o tom conciliador de Juscelino Kubitschek. Mais do que isso, ele é hoje um pré-candidato contra o próprio Jair Bolsonaro.
Já Lira, dono de um poder poucas vezes visto na mão de um presidente da Câmara, deve se manter onde está. Com o farto apoio que possui nas 102 cidades de Alagoas, sua reeleição para um quarto mandato na Casa parece muito provável.
Por isso, conclui André, “apesar de ser apenas um ano de gestão, se notam diferenças muito grandes na atuações, projetos, estilos e perspectivas que tanto Lira quanto Pacheco têm.”