Um mês depois dos atos golpistas de 8 de janeiro, quando vândalos invadiram e depredaram as sedes dos três poderes da República exigindo um golpe militar para anular as eleições, a senadora Soraya Thronicke (União-MS) se prepara para a leitura em plenário, por parte do presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) de seu requerimento que dará início à CPI que investigará os autores intelectuais dos ataques. Os trabalhos, porém, já contam com um obstáculo antes mesmo de começar: a senadora teme o impacto da pressão ideológica pela sua instauração.
Se no primeiro momento após os ataques a credibilidade da oposição nas duas casas do Congresso Nacional saiu abalada graças aos laços de grande parte de seus parlamentares com o ex-presidente Jair Bolsonaro, mais tarde estes passaram a ser explorados na construção de narrativas. Em meio às acusações do governo de omissão por parte de oficiais da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) para conter os vândalos, senadores e deputados bolsonaristas tentaram depositar a culpa em uma suposta negligência do ministro da justiça, Flávio Dino, no comando da Força Nacional de Segurança no dia dos atos.
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A narrativa passou a ganhar força quando o presidente Lula se declarou contrário à criação da CPI dos atos golpistas, alegando que ela seria desnecessária, uma vez que a Polícia Federal já trabalha em inquéritos com o mesmo objetivo. Semanas depois, já no final de janeiro, o senador bolsonarista Marcos do Val (Podemos-ES), investigado após relatar uma suposta tentativa de golpe de Estado orquestrada por Jair Bolsonaro durante seu governo, publicou um vídeo em que afirmava que o objetivo era atingir o governo e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), responsável pelo inquérito sobre as ondas de vandalismo.
“Prevaricações”
No vídeo, do Val afirmou também que seria capaz de provar na futura CPI supostas “prevaricações” de Moraes e de agentes do governo a respeito dos atos golpistas. Sua declaração reacendeu a pressão entre senadores bolsonaristas para que o colegiado seja instaurado o quanto antes, bem como o esforço do governo para evitar sua criação, temendo que esta não apenas atrapalhe a investigação em curso, como sirva de fonte de tumulto.
Ao Congresso em Foco, Soraya Thronicke afirma que a pressão desses quadros da oposição, com ataques ao governo e a terceiros, acaba na verdade minando a articulação para instaurar a CPI. “Isso me preocupa. Eu não quero que [a CPI] tome nenhum viés, a não ser apurar atos comissivos ou omissivos desde os fatos ocorridos nesse dia, e os responsáveis”, ressaltou.
A principal preocupação da senadora na forma como o assunto está sendo tratado entre senadores da oposição é o impacto da pressão ideológica à credibilidade do colegiado. “O que nós não podemos perder é a credibilidade. Além disso, sobre a autoria desses atos comissivos ou omissivos, nós não temos ideia. Se fosse o contrário, nós não precisaríamos montar essa CPI. Não podemos permitir que a investigação aconteça com um viés político, partidário ou ideológico, que se dê em um ambiente de polarização. Isso é péssimo para o país, já temos colhido frutos amargos com isso”, apontou a senadora.
Papel do Legislativo
Na outra ponta, Soraya Thronicke considera infundado o argumento do governo de que a CPI seja desnecessária, ou que possa atrapalhar a investigação. “Eu respeito a postura do governo federal. Ele quer pacificar, tem medo que a CPI siga um curso de guerra ideológica ou disputa política. Mas não é por isso que o Legislativo deve deixar de cumprir o seu dever. Os três poderes podem e devem investigar”, defendeu.
A parlamentar também conta que, caso venha a coordenar o colegiado, o plano não é assumir uma postura antagônica em relação aos demais poderes, mas sim alcançar objetivos fora do alcance dos demais. “A CPI tem algo diferente das investigações dos outros poderes: nós temos condições de publicidade. Ela pode ter um fator pedagógico muito forte para esclarecer a população de que o que aconteceu foi um crime, que não foi uma brincadeira, que a democracia é sagrada”, explicou.
O requerimento para instauração da CPI já conta com 37 assinaturas de parlamentares da atual legislatura, e outras 12 da legislatura anterior, que ainda estava em exercício durante os atos golpistas. Destas, 27 são de atuais senadores de partidos governistas.
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