por Carla Egydio* e Victor Drummond**
O Senado Federal está discutindo a regulação da inteligência artificial (IA) por meio do PL nº 2338/23 há quase dois anos. A discussão contou com a participação de representantes de diversos setores da sociedade por meio de audiências públicas. Após algumas tentativas de votação, estamos novamente diante da possibilidade de avançar na regulação da IA no país. E isso nos coloca a pergunta sobre qual regulação queremos.
No caso dos criadores de conteúdo, os impactos podem ser devastadores.
Os sistemas de IA precisam de uma base de dados robusta para funcionarem, e, assim sendo, precisam utilizar grandes quantidades de conteúdos artísticos e jornalísticos. São milhares de textos, áudios e vídeos que vêm sendo usados nos processos de alimentação dos bancos de dados das empresas responsáveis pelas ferramentas de IA. Para isso, de um lado estão empresas que precisam do conteúdo artístico e jornalístico e, de outro, os criadores desses conteúdos. O que poderia ser um contexto propício para que os dois setores se apoiassem e negociassem tornou-se um cenário de muita insegurança jurídica.
Até agora não há nenhuma forma de autorização por parte dos criadores desses conteúdos para que essas ferramentas sejam desenvolvidas e alimentadas com suas criações. Também não há qualquer forma de informação sobre a utilização dos conteúdos para treinamento das ferramentas e muito menos sobre quais os possíveis usos desses conteúdos. Estamos diante de uma profunda falta de transparência.
Recentemente foram produzidas peças publicitárias, fazendo uso de ferramentas de IA, nas quais a atuação da atriz Glória Pires foi utilizada para anunciar farmacêuticos milagrosos. O mesmo ocorreu com o ator Ary Fontoura. O trabalho desses dois importantes atores brasileiros foi utilizado sem que eles fossem consultados e sem qualquer tipo de autorização, causando danos à sua imagem e credibilidade e gerando engano ao público. O dublador Wendel Bezerra, conhecido por dublar um importante personagem infantil também teve seu trabalho utilizado sem qualquer consulta ou autorização.
Precisamos garantir que a regulação possa trazer elementos positivos e responsabilidade, o que inclui o respeito aos direitos autorais e de personalidade.
Para isso, a regulação da IA deve garantir que desenvolvedores e aplicadores de sistemas de IA devem dar transparência às bases de dados que utilizam e que os criadores possam — quando for o caso — proibir o uso de seus conteúdos.
Este também é um problema de todos nós na medida em que artistas, jornalistas e personagens infantis podem conferir credibilidade aos conteúdos que recebemos e que isso pode nos levar a acreditar em conteúdos falsos. O projeto, portanto, precisa responsabilizar desenvolvedores e aplicadores limitando as possibilidades de mau uso e possíveis danos à sociedade.
Mas não basta apenas garantir que as bases de dados sejam publicizadas e que mecanismos de proibição do uso de seus conteúdos, desenvolvedores e aplicadores de sistemas de IA devem compensar financeiramente por esses usos. O projeto deve avançar no sentido de garantir que os direitos de milhares de titulares de direitos autorais sejam efetivamente respeitados.
Em torno de 40 associações de criadores de conteúdo tem se articulado por meio da Frente pela Inteligência Artificial Responsável (FIAR) e publicaram uma nota pedindo que o PL nº 2338/23 garanta transparência sobre os conteúdos utilizados, possibilidades de proibição dos usos dos conteúdos e remuneração aos titulares de direitos autorais. Além disso, organizações da sociedade civil publicaram uma nota sobre a importância do projeto e incluindo pontos de atenção e melhoria. Com regulamentação responsável, a sociedade avança.
É notório que o desenvolvimento tecnológico pode e deve trazer avanços à sociedade brasileira. Igualmente fundamental é fomentar a inovação que seja comprometida com o respeito a direitos e à ética. Precisamos dizer qual IA queremos no país. Defendemos que a regulação de IA deve ser eficaz e responsável, equilibrando direitos e responsabilidades e garantindo que a inovação respeite os direitos de todos. Pedimos aos senadores que aprovem o PL nº 2338 fomentando uma Inteligência Artificial efetivamente responsável no Brasil.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br
* Carla Egydio é diretora de relações institucionais da Ajor (Associação de Jornalismo Digital)
** Victor Drummond é advogado e professor universitário.