Por Lyvian Sena*
Meu nome é Lyvian, tenho 32 anos, sou casada e tenho dois filhos. Vivo um cotidiano corrido e cheio de preocupações como as milhares de mães espalhadas pelo Brasil. Diversos afazeres em casa, no trabalho e muitas preocupações com o presente e o futuro dos meus filhos! Entre o preparo de um almoço, a arrumação do lanche deles da escola, o auxílio em um dever de casa, um passeio de bicicleta e as outras tantas atividades da nossa rotina familiar sempre penso que as crianças, todas não só os meus filhos, merecem um mundo mais harmônico, menos opressor, mais livre, menos preconceituoso e, principalmente, com mais amor. Um mundo em que caiba, de verdade, a diversidade!
O último 5 de outubro foi tenso. Doeu demais receber a notícia que o deputado federal mais votado na minha cidade, Brasília, foi um político extremamente conservador e defensor da redução da maioridade penal. Mal eu sabia que o pior ainda estava por vir. Passadas algumas horas de muita ansiedade, depois de conversar com o meu companheiro, com amigos e olhar milhares de vezes os números gerais da eleição no país inteiro constatei que a nova configuração do Congresso é bem mais conservadora. E isso, infelizmente, não foi um julgamento precipitado, uma fala leviana de minha parte. Analistas políticos em publicações após o resultado das eleições confirmaram a minha hipótese.
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Diante desse cenário e da minha enorme vontade da construção de uma realidade mais bela para os meus filhos e para todas as crianças eu grito para o mundo inteiro ouvir: NÃO PASSARÃO!
Estou aqui de pé com todas as minhas convicções, meus sonhos e minhas armas de amor. Vocês farão um discurso cada vez mais conservador, limitador e preconceituoso. E eu dentro da minha casa construirei com os meus filhos um discurso cada vez mais libertador, transformador e revolucionário!
Vocês falarão com os meus filhos. Mas, eu também falarei!!!
Vamos por tópicos pra ficar bem legível:
Vocês falarão que a família só pode ser de um jeito e que relacionamento amoroso certo é o que acontece entre um homem e uma mulher. Eu direi para os meu filhos que o mais importante é o amor. Que homem pode casar com homem sim, que mulher pode amar mulher sim. E direi mais: que homem pode amar mulher e homem, que mulher pode amar mulher e homem. E que família certa é aquela que é baseada no amor. Nada é capaz de destruir família que tem amor, compreensão e carinho. Que criança pode ter duas mães ou dois pais. E que o triste é não ter mãe nem pai ou ter pai e mãe que não zelam por ela.
Vocês falarão que essa coisa de machismo está ultrapassada e que as mulheres exageram, se vitimizam. Falarão, inclusive, que tudo tem limite e que algumas coisa são de fato para homens e outras para mulheres. E eu vou dizer que o machismo está aí em todos os cantos. Que o machismo mata! E que o lugar da mulher é no lugar que ela quiser. Que as cobranças no lar tem de ser iguais. Que serviço de casa é para a mamãe e para o papai. Que olhar o dever de casa é papel da mamãe e do papai. E que o direito de ler o jornal sentado no sofá é do papai e da mamãe. E que quem ama não oprime. E que homem de verdade é sensível e pode chorar!
Vocês falarão que aborto é um absurdo, o mesmo que matar uma criança. Eu direi que é questão de saúde pública! Que o que está em jogo é vida, sim, a vida das mulheres. Milhares de mulheres morrem por conta de complicações no ato. E direi também que é , no mínimo, uma covardia criminalizar essa mulher, que em geral enfrenta essa situação sozinha, já que na maioria dos casos os homens simplesmente não assumem responsabilidade alguma. Além dela já ser penalizada pela culpa social e particular que a acompanhará por muito tempo. E que quem morre é mulher pobre, as ricas fazem em clínicas com toda a segurança possível. E direi sempre:”Meu corpo, minhas regras”!!!
Vocês falarão que no Brasil não tem tanto racismo. Que nós sabemos conviver com a diversidade. E eu direi que há muito racismo. Muito! Que as mulheres negras ainda recebem os menores salários, que o padrão de beleza é o branco, que o menino negro, certamente, será alvo de inúmeros revistas policias e o menino branco não e mostrarei tantas outras realidades que comprovam que nós estamos longe de reconhecer o nosso racismo cotidiano.
Vocês falarão que a redução da maioridade penal é urgente e que vai representar uma significativa redução na violência. E eu direi que não podemos punir tão severamente mais uma vez esse menino a quem já foi negado uma série de direitos. E direi também que a maioria desses meninos são negros e moradores dos lugares mais carentes. Que o que ele precisa é de atenção básica, oportunidades, educação, arte. E que prisão e violência não representam a melhor solução!
Vocês dirão que pobre é pobre porque quer e que benefícios sociais geram pessoas folgadas e preguiçosas. Dirão ainda que as Bolsas e as Cotas são políticas meramente assistencialistas e que afetam os direitos da classe média. Eu direi que as políticas afirmativas são necessárias. Que as Cotas representam uma reparação histórica. É geração de oportunidade para aqueles que não tiveram acesso por séculos.Que as Bolsas levam dignidade para o povo. E que ninguém mais nesse país se submete a viver só com dinheiro de Bolsa. Ninguém vai ter filho pra receber Bolsa Família. Essa fala é sórdida. O brasileiro quer mais e, hoje, ele sabe que pode mais. Bolsa é auxílio, não é salário! E que o filho do porteiro deve virar doutor. E direi ainda que se é pra gerar mais igualdade, nós temos sim que dividir e diminuir a nossa fatia do bolo.
Vocês dirão que as discussões a respeito da legalização de drogas é papo de doidão e drogado. E que isso representará o fim da família brasileira. E que, provavelmente, eu sou uma mãe maluca e errada por estar tocando nesse assunto. Eu direi que esse assunto é muito sério e que o tráfico mata e muito! Que as drogas lícitas como o cigarro e o álcool causam um estrago enorme na nossa sociedade e que precisamos também colocá-las em pauta. E direi sempre que na minha casa, na minha família o papo é aberto, a construção é coletiva, com respeito e sem medo de enfrentar a realidade. E que quanto mais esse assunto for tratado como tabu, mais o tráfico se fortalecerá e carregará consigo milhares de crianças e adolescentes.
E para terminar eu digo que meu marido e vários amigos nossos estão, assim como nós dois, diariamente tentando construir em nossas casas formas libertadoras de educar filhos e de se educar. Diferente de vocês, não estamos prontos. O nosso diálogo com o mundo é constante.
Portanto, se cuidem!!! Nós também somos muito fortes e sabemos gritar bem alto!!
Proponho, inclusive, para meus amigos e para os simpatizantes que formemos uma bancada!
*Lyvian Sena é professora formada em história e atriz.
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