Em matéria de educação o Brasil só acerta na expansão – temos uma das maiores ofertas de educação do mundo em termos de quantidade e acesso. Mas não conseguimos acertar na qualidade. No ensino médio nosso desacerto ainda é maior. E as consequências, mais graves ainda. A nova lei do ensino médio em nada contribui para avançar. Mais uma oportunidade perdida.
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Nos países industrializados – seja na Europa ou na Ásia – o ensino médio é diversificado. Parte dos alunos vai para o ensino médio acadêmico e parte para o ensino médio profissional. Na maioria desses países o ensino médio acadêmico oferece opções para os alunos, seja em termos das disciplinas que escolhem ou do nível de exigência, mesmo no caso de matérias obrigatórias. Ao final do curso, os alunos prestam exames nas próprias escolas, exames nacionais ou internacionais – como os Advanced Levels (APs) ou o International Baccaléaureat (I.B.), reconhecidos internacionalmente pelas melhores universidades. Raramente um aluno faz mais do que três desses exames para pleitear acesso às melhores universidades de seu país ou do mundo. Nos poucos países em que há prova de redação – como na França, por exemplo – esta é feita com base numa lista de leituras previamente definida. E, na redação, o aluno irá demonstrar o que aprendeu, e não a emitir julgamentos sobre questões ideológicas ou a propor soluções para problemas complexos da sociedade. Tudo isso permite que os alunos façam mais e melhor daquilo que gostam e têm talento – durante os difíceis anos do final da adolescência.
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Já o ensino profissional é ministrado em escolas especializadas. Nos países de tradição germânica (Alemanha, Áustria, partes da Holanda e Bélgica e vários países do Leste Europeu) predomina o sistema dual – o aluno trabalha parte do tempo e na outra parte aprende na escola técnica os conteúdos relevantes para a profissão – inclusive conteúdos de Língua, Matemática, História e Ciências. Nos demais países – inclusive nos da Ásia – os cursos técnicos são oferecidos em escolas técnicas com currículos próprios. Algumas incluem estágios em empresas. Há diferentes níveis de saída e diferentes regras para acesso no ensino superior, para os que desejarem continuar os estudos. Mas os currículos – inclusive das disciplinas básicas – são diferenciados. E também os exames de saída – em diversos países – são oferecidos em níveis diferentes, inclusive para as mesmas disciplinas.
Nos Estados Unidos a situação é diferente. A diferenciação se dá dentro das escolas de ensino médio. O aluno tem ampla margem de escolha de disciplinas e pode cursar diferentes níveis de uma disciplina. A formação técnica se dá em “Community Colleges”, em cursos que tipicamente duram dois anos após o ensino médio. A única exceção é a área de construção civil, em que a formação técnica se dá num regime semelhante ao das “guildas medievais” – inspiradas nos Compagnons du Tour de France, instituição ainda existente na França. Não é surpresa o fato de que a produtividade do trabalhador da construção civil ser várias vezes maior nos Estados Unidos do que no Brasil.
Uma consequência importante dessa postura diante do ensino médio é a densidade das escolas – tipicamente o ensino acadêmico se concentra em escolas de maior porte –, o que permite oferecer diversidade e opções, especialmente para o aluno. E o ensino técnico é oferecido em instituições especializadas e de menor porte e maior proximidade com empresas do setor – de forma a utilizar instalações e pessoal em regime de colaboração. É notório que esse panorama está em vias de se modificar em função das mudanças no mundo do trabalho, mas em nenhum país se nota a tendência de unificar currículos ou reduzir o alcance do ensino médio técnico.
No Pisa podemos observar que, mesmo em países em que mais da metade dos alunos frequentam escolas técnicas de nível médio, os resultados são iguais ou superiores à média das escolas de elite no Brasil. Embora façam currículos diferentes e adequados aos seus interesses, o nível de aprendizagem é razoavelmente elevado.
O Brasil não avança no ensino médio porque não consegue superar alguns entraves. O primeiro é o preconceito contra o ensino técnico e a formação profissional. O segundo decorre dele: a ideia de que fora da universidade não há salvação e, portanto, todos precisam fazer o mesmo Enem. Esta é a sentença de morte para a maior parte dos jovens brasileiros – e que continuará a existir após a nova reforma. O terceiro é o conceito de opção – a opção funciona quando é opção para o aluno, e não para a escola. O jovem que faz o que gosta tem mais chance de ir longe. Dar opção para sistemas de ensino ou para escolas sem dar opção para os alunos em nada contribui para motivar a juventude. O quarto é a falta de espírito prático: não é economicamente viável oferecer opções em escolas pequenas – portanto escola de ensino médio acadêmico precisa se situar em centros maiores – é inviável oferecer boas escolas de ensino médio em centenas de municípios brasileiros e também opções para os alunos, que é o que interessa para o indivíduo. E dificilmente essas ideias se casam com o formalismo das carreiras docentes nos sistemas públicos de ensino.
Ou seja: vamos conviver com o fracasso errando com os nossos fracassos. Continuamos na caverna do mito de Platão. Ou podemos dela sair, quando estivermos dispostos a aprender com a experiência de quem deu certo.
Perdemos mais uma oportunidade. Vamos perder mais algumas gerações no altar da teimosia e dos inviáveis “itinerários formativos”. Mas sempre é tempo de recomeçar. E o Congresso Nacional continua sendo o único espaço em que esse debate pode ser engajado.
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