Desde que a Emenda Constitucional 132 foi promulgada, consolidando a reforma tributária, criou-se a expectativa pelo passo seguinte – a regulamentação por meio de projetos de lei complementar, que viria a trabalhar os detalhes e dar corpo às mudanças tributárias. A expectativa, contudo, rapidamente transformou-se em frustração para quem atua sem fins lucrativos.
A Emenda 132 avançou muito ao isentar as doações com finalidade filantrópica do pagamento de impostos, assunto que ficou bastante evidente para toda a sociedade durante a crise enfrentada pelo Rio Grande do Sul neste ano, quando uma onda de solidariedade se deparou com um intenso debate sobre dificuldades para que as doações chegassem a quem precisa.
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Nada inesperado, até aqui. Mas a efetividade dessa disposição depende de detalhes – esses mesmos que fazem parte do Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024, responsável por regulamentar e dar concretude à ambiciosa reforma tributária.
O diabo, como sempre, mora nos detalhes. Visando eliminar pequenos desvios e combater a sonegação, o projeto encaminhado pelo Poder Executivo em abril trouxe uma série de riscos, custos e sanções às mais de 800 mil organizações da sociedade civil no Brasil.
O PLP 68/2024 propõe que os novos impostos – IBS e CBS – incidam sobre doações onerosas e sobre doações, ainda que não onerosas, entre partes relacionadas, em seus artigos 4º e 5º.
Seria como se, hoje em dia, fosse cobrado ICMS sobre a doação feita a uma organização de assistência, com a condição que esta fornecesse alimentos ou bolsas de estudo com aquele recurso. Outra complicação prevista diz respeito à cobrança de impostos em empréstimos sem fins lucrativos, algo que pode dificultar exposições de arte, por exemplo.
PublicidadeComo a própria reforma tributária aprovada em 2023 afirmou, doação não é hipótese de incidência de IBS e CBS, mas sim do ITCMD; e se a finalidade é filantrópica, deve, portanto, ser isenta.
Em audiência pública realizada no dia 19 de junho, representantes de associações, fundações e organizações filantrópicas de todo o Brasil deixaram claro a oposição às mudanças sugeridas pelo artigo 460 do PLP 68/2023, que por sua vez altera o Código Tributário Nacional (CTN), em especial do artigo 14 deste.
De acordo com o advogado Eduardo Szazi, houve apenas 12 atos de suspensão de imunidades nos últimos cinco anos, em um universo de mais de 250 mil organizações que apresentam suas declarações anualmente. Entre os mais de 6500 grandes devedores à União (acima de R$ 100 milhões), apenas 79 são organizações sem fins lucrativos.
A lei tributária, portanto, não tem sido violada pelas organizações da sociedade civil em número significativo, o que deixa evidente o exagero do PLP 68/2024 com relação a maiores obrigações de prestação de contas, contratação de auditores, restrição a gastos e movimentações financeiras – obrigações às quais empresas que recebem vultosos incentivos fiscais não estão sujeitas, por exemplo.
Como apontou o deputado Luiz Carlos Hauly (Podemos-PR), presente à audiência, “é muito fácil para a Receita Federal controlar (…), tem 17 mil auditores para isso. É um problema de fiscalização, não de legislação”.
As obrigações e sanções impostas à sociedade civil no PLP 68/2024 sugerem que valores como solidariedade e liberdade não são vistos como algo a ser incentivado pelo Estado. Contudo, os parlamentares têm agora a chance de evitar que os exageros do texto sejam mantidos.
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