Pedro Sales*
Aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, o PL dos Streamings regulamenta os serviços de vídeo sob demanda e streamings, impondo o recolhimento da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), principal fomento para o audiovisual brasileiro. A proposta também estabelece cotas mínimas de produções nacionais e segue para análise na Câmara dos Deputados, após votação suplementar na CAE.
O PL 2331/22, de autoria do senador Nelsinho Trad (PSD-MS), altera a Lei da TV Paga. Desde 2011, os canais por assinatura contribuem com a Condecine. A proposição do parlamentar inclui a participação das plataformas de streaming e de vídeo sob demanda (VoD). De acordo com o congressista, o projeto pretende “ampliar as fontes de financiamento voltadas à produção audiovisual nacional e equilibrar as condições competitivas entre as plataformas de streaming de vídeo e os serviços de televisão por assinatura”.
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“Desde 2015, o Conselho Superior de Cinema e a Agência Nacional do Cinema se debruçam sobre a questão. Embora as plataformas evitam divulgar seu número de assinantes, é possível afirmar que a base de usuários de streamings de vídeo já ultrapassou, em muito, aqueles que contratam os convencionais serviços de televisão por assinatura”, aponta o texto inicial.
O parecer do senador Eduardo Gomes (PL-TO) consolidou os valores a serem pagos pelas empresas, com alíquota máxima de 3%, alterando a proposta de Trad, que era de 4%. Companhias com arrecadação anual de até R$4,8 milhões estarão isentas do imposto. As que arrecadam entre R$4,8 milhões e R$ 96 milhões pagarão 1,5% da receita bruta anual, e as empresas com faturamento superior a R$ 96 milhões devem pagar alíquota de 3%. Na Câmara um projeto semelhante, o PL 8.889/17, de relatoria do deputado André Figueiredo (PDT-CE), propõe a taxa da Condecine de até 6% da receita anual bruta das plataformas.
As empresas poderão deduzir 60% do imposto em casos de investimento em produções ou na aquisição de direitos de licenciamento de obras audiovisuais brasileiras. Outro benefício para as companhias de vídeo sob demanda é o desconto de 50% na Condecine quando metade do catálogo do serviço for composto por obras audiovisuais brasileiras.
PublicidadeO texto propõe a distribuição dos recursos captados pelo imposto. A partir de 30%, o valor será direcionado a produtoras independentes do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Outros 20%, para produtoras da região Sul, Minas Gerais e Espírito Santo. O restante das porcentagens diz respeito à capacitação técnica do audiovisual, fomento de produção independentes realizadas por grupos minorizados e de criação de plataformas de streaming nacionais
A Condecine é a principal fonte de investimento no audiovisual brasileiro, uma vez que representa a maior parte do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). Dessa forma, maior arrecadação do imposto significa maior possibilidade de investimento, em um sistema autossustentável. A bacharel em cinema e idealizadora do projeto Simplificando Cinema, Marina Rodrigues, salienta que a medida permite o reinvestimento por meio de captação por meio do FSA.
“A Netflix não chegou a 50 obras por ano no Brasil em dez anos de atividade em nosso país. É preciso que haja o estímulo público também para que elas consigam produzir mais, é uma política de ganha-ganha. Você paga [Condecine], mas pode investir este valor em uma obra brasileira com uma produtora local”, explica Marina.
As empresas de vídeo sob demanda deverão se credenciar na Agência Nacional de Cinema (Ancine) em até 180 dias após o início da oferta do serviço. O descumprimento dessa e de qualquer outra das regras do PL dos Streamings acarretará no pagamento de multa que poderá ser diária nos valores entre R$ 10 mil e R$ 50 milhões, além de suspensão temporária ou cancelamento do credenciamento a depender do pedido da Ancine.
Cotas
O PL dos Streamings estimula a produção de produções brasileiras por meio de cotas mínimas. As empresas com faturamento inferior a R$ 96 milhões estão dispensadas do cumprimento da medida. Para as demais, as cotas estão associadas ao número de produções disponíveis na plataforma.
- Catálogos com no mínimo 2.000 obras devem ter 100 produções audiovisuais brasileiras
- Catálogos com até 3.000 obras devem ter 150 produções audiovisuais brasileiras.
- Catálogos com até 4.000 obras devem ter 200 produções audiovisuais brasileiras
- Catálogos com até 5.000 obras devem ter 250 produções audiovisuais brasileiras
- Catálogos com até 7.000 obras devem ter 300 produções audiovisuais brasileiras
O projeto também institui que ao menos metade das produções brasileiras deve ser produzida por produtoras independentes. Segundo o parecer, são consideradas produtoras independentes aquelas que não possuem vínculos empresariais com plataformas de compartilhamento de conteúdo audiovisual e com provedores de televisão por aplicação de internet.
Para Marina Rodrigues, as cotas de tela são uma “proteção de mercado interno contra o monopólio da oferta estrangeira”. Ela explica que vários outros países já adotaram o modelo. Segundo dados do Observatório Europeu do Audiovisual, a Espanha e o Reino Unido possuem juntos 37% de produção local nas plataformas globais de streaming, demonstrando o “compromisso da política pública no país”.
“O Reino Unido regulou muito recentemente, mas a Espanha está nessa desde 2018 e é gratificante receber esse número. Isso demonstra o compromisso e eficácia da política pública no país, que cobra 5% de taxação dessas plataformas. Até 2017, quando o Brasil estava no Top 10 de maiores mercados audiovisuais, a Espanha não tinha sequer projeção para estar ali. Hoje, após os passos que demos para trás, abandonamos esse posto, que hoje é representado pela Espanha”, aponta a fundadora do SimplificandoCinema.
Ela explica ainda que, mesmo com a tributação do setor, o valor cobrado pelo PL dos Streamings não irá incidir sobre o preço do serviço para o consumidor. “Nem se as plataformas quisessem repassar o custo extra, ele não chegaria a R$ 1. Em plataformas como Netflix, que agrega 45 milhões de assinantes, a divisão desse custo extra daria em torno de R$ 0,03 centavos”.
* Estagiário, sob supervisão da editora Iara Lemos.
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