Está para ser votado no Senado um projeto de lei que, se aprovado, terá profundo impacto na alimentação no Brasil. Trata-se do PL 2699, que foi apresentado em 13/3/2002 pelo então senador Blairo Maggi e quase 20 anos depois, no dia 9 de fevereiro de 2022, foi aprovado no plenário da Câmara dos Deputados.
Seus defensores se referem à de modernização da agricultura, enquanto seus críticos têm chamado de “PL do Veneno” porque, entre outros aspectos, flexibiliza as regras para fiscalização e utilização de agrotóxicos, assim como os critérios de controle e de autorização, alterando os artigos 3º e 9º da lei atual sobre agrotóxicos (Lei 7.802 de 11/7/1989) e traz inúmeras consequências como a de excluir a possibilidade de entidades (como de defesa do consumidor, do meio ambiente e dos recursos naturais) de pedirem a impugnação ou cancelamento do registro de um produto sob argumento de prejuízos ao meio ambiente, à saúde humana e aos animais.
Entre as medidas que foram aprovadas, estão a mudança do nome de agrotóxico para pesticida (quando usados em florestas, por exemplo, os agrotóxicos passam a ser chamados de “produtos de controle ambiental”), a utilização de novos agrotóxicos mesmo sem aprovação (caso o pedido de registro não tenha parecer conclusivo expedido no prazo de dois anos, será concedido um registro temporário para agrotóxico novo ou uma autorização temporária para aplicação de um produto existente em outra cultura para a qual não foi indicado).
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Outro aspecto relevante é que a avaliação de novos agrotóxicos e seus possíveis impactos à saúde e ao meio ambiente ficará sujeita apenas ao Ministério da Agricultura mesmo se outros órgãos – como Ibama e Anvisa – não tiverem concluído suas análises sobre os seus riscos. Nesse sentido, poderá ser aprovado o registro de substâncias comprovadamente cancerígenas (serão estabelecidos “níveis aceitáveis” embora não existam critérios em relação aos níveis seguros para substâncias que se demonstrem cancerígenas). Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a intoxicação por uso dessas substâncias, além disso, podem causar, entre outras complicações, arritmias cardíacas, lesões renais, alergias respiratórias e fibrose pulmonar.
Também é importante ressaltar que vai acabar a regulação específica sobre propaganda de agrotóxicos, sendo permitida a venda de alguns deles sem receituário agronômico, o que deve favorecer o seu uso indiscriminado
Em 2021, foi publicado o livro Dossiê contra o pacote do veneno em defesa da vida. Trata-se do Dossiê Científico e Técnico contra o PL 2699 e em favor do PL 6.670/2016, que institui a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pnara) formulado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA). O dossiê, entre outros aspectos, descreve as diversas manobras para aprovar o PL no Congresso e “analisa e denuncia as propostas perversas do agronegócio e das indústrias agroquímicas e seus aliados no Executivo e Legislativo, no sentido de aumentarem ainda mais a venda e o uso de agrotóxicos, consequentemente, ampliando a intoxicação da vida (vegetal, animal e ambiental) no território brasileiro”.
Em relação à adoção da expressão “Pacote do Veneno” tem o sentido de “dar a exata dimensão de um conjunto de medidas que têm a mesma pretensão: jogar mais veneno no nosso solo, no ar, na água e nos alimentos” e no final os autores propõem uma série de medidas que deveriam ser implementadas contra os agrotóxicos (e em defesa da vida).
O fato importante a ser ressaltado é que houve um crescimento das liberações de agrotóxicos a partir de 2016, especialmente depois de Michel Temer assumir a presidência da República. No final de 2016, foram 277 liberações, no ano seguinte, 404, em 2018, 449 e continua crescendo em 2019, com 474 , em 2020, com 493 e em 2021 teve o maior aumento: 550. E assim, como os dados indicam, foram mais de 2 mil agrotóxicos liberados desde 2016 e 1.517 só no atual governo.
Governo que tem feito a sua parte: no dia 8 de outubro de 2021 foi dado mais um passo nesse sentido, com um decreto que facilita o registro e prevê a liberação mais rápida de novos agrotóxicos. Segundo nota divulgada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o objetivo seria o de “modernizar” os trâmites e diminuir a burocracia na análise de novos produtos. Antes as substâncias e ingredientes ativos aprovados precisavam de uma licença especial temporária para serem usados no campo, mas com o decreto, não será mais necessário. A questão é: Modernização ou liberação indiscriminada de agrotóxicos?
Os malefícios causados à saúde pelo uso e ingestão de alimentos com agrotóxicos são óbvios. Segundo a definição da Anvisa, os agrotóxicos “são ingredientes ativos com elevado grau de toxicidade aguda comprovada e que causam problemas neurológicos, reprodutivos, de desregularão hormonal e até câncer”. Não por acaso, mais de 300 entidades da sociedade civil assinaram um manifesto contra o PL, entre elas a Contraf Brasil, entidade que representa a agricultura familiar.
Diversos estudos em mostrado que o Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo. Segundo Patricia Costa, o Brasil é o primeiro lugar no ranking de países que mais consomem agrotóxicos no mundo. “São cerca de 500 mil toneladas de uso de agrotóxicos, o que equivale a 7 litros de consumo por brasileiro ao ano. Dados da Organização Mundial da Saúde OMS estimam em 20 mil mortes ao ano devido à manipulação e consumo direto de agrotóxicos e no mundo isso salta para 200 mil mortes”.
Em 2017, a geógrafa e pesquisadora do Laboratório de Pesquisa Agrária da USP, Larissa Mies Bombardi, publicou Geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e conexões com a União Europeia no qual faz um amplo levantamento do uso de agrotóxicos no Brasil (com dados por região) e um dos capítulos trata da intoxicação por agrotóxicos de uso agrícola (p.125-205), e ainda outros capítulos com a relação de agrotóxicos autorizados por cultura no Brasil e proibidos na União Européia (com o respectivo ano de proibição, como o herbicida glifosato e atrazina, proibidos em 2004, por exemplo) assim como dados sobre trabalho análogo à escravidão na agricultura.
Uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) mostrou o Brasil como o campeão mundial no uso de pesticidas na agricultura e muitos pesticidas estão proibidos em diversos países, especialmente na União Europeia, um dos principais destinos das exportações do agronegócio brasileiro. O setor é dominado por grupos transnacionais como Bayer, Basf, Corteva, FMC, Syngenta e a DowDuPont que dominam em torno de 70% do mercado brasileiro de agrotóxicos, que consome 20% da produção mundial. O Nosso Foco publicou uma matéria, no dia 4 de abril de 2020m que afirma que “de longe, os mercados mais valiosos para os pesticidas altamente perigosos vendidos por essas empresas foram as culturas de soja e milho, cultivadas em grande parte para fornecer ração animal para a indústria de carne”.
Uma matéria publicada no O Tempo, assinada por Litza Mattos no dia 27 de dezembro de 2021, afirma que o Brasil teve em 2021 uma aprovação recorde de agrotóxicos desde o ano 2000. Foram registrados 499 pesticidas, 523% maior comparado aos 82 de 2000.
A matéria cita Alan Tygel, membro da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, que afirma que “tão graves quanto o volume de veneno que o brasileiro está ingerindo são os tipos de pesticidas que voltaram a ser usados no país (…) exatamente os mesmos agrotóxicos tão tóxicos que tínhamos há 50 anos, como o glifosato, o 24D, a atrazina, entre outros. Além disso, 1/3 dos agrotóxicos que têm sido aprovados aqui é proibido na União Europeia”.
O fato é que os agrotóxicos no Brasil representam um grave problema de saúde pública, e a inserção no mercado de mais produtos agravará ainda mais os perigos e nesse sentido o PL do Veneno é um grande retrocesso, com a liberação para o uso indiscriminado de agrotóxicos, inclusive os que são proibidos em outros países. E se não houver uma mobilização mais ampla da sociedade, o PL deverá ser aprovado no Senado e sancionado pelo presidente da República e assim frustrando todo o esforço das entidades, organizações, etc., para impedir a sua tramitação e principalmente a sua aprovação no Congresso Nacional.
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