Uma das pautas prioritárias do ministro Paulo Guedes, a redução nacional da cobrança do IPI é também o seu principal ponto de atrito com as bancadas amazonenses da Câmara e do Senado. Temendo pelo impacto que a medida traria à Zona Franca de Manaus, os parlamentares dialogam há um ano com o governo em busca de soluções que atendam aos interesses dos dois lados. Em meio à negociação, o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PSD-AM), afirma ter perdido a confiança em Guedes após a violação de um acordo com a bancada.
“O ministro Paulo Guedes e a secretária especial Daniella Marques não têm palavra. São mentirosos e não cumprem acordo”, declarou o deputado ao Congresso em Foco. Ramos se refere a um acordo firmado em 2021 entre a bancada amazonense e o ministro: os parlamentares votariam a favor do projeto de lei que alterava as regras de cobrança do ICMS sobre combustíveis e, em troca, o governo excluiria produtos fabricados na Zona Franca de Manaus da redução do IPI.
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O IPI é um imposto de caráter regulatório sobre produtos industrializados, criado com o intuito de fomentar investimentos em municípios específicos onde não há a sua cobrança. Entre eles, está a Zona Franca de Manaus, principal polo industrial da região norte. Guedes entende que a cobrança do IPI é nociva para o desenvolvimento das demais regiões, enquanto a bancada amazonense teme que, sem ele, investidores do polo industrial de Manaus tirem seus empreendimentos da cidade e levem aos estados do Sul e Sudeste, onde há menor custo de produção.
A exclusão dos produtos fabricados exclusivamente no polo industrial de Manaus era o meio termo encontrado entre bancada e governo: desta forma, a capital amazonense poderia manter seus investidores e o custo do desenvolvimento industrial de outros estados seria reduzido. “Nós demos apoio ao governo na votação, cumprimos a nossa parte do acordo, e até agora não houve a publicação do decreto excluindo a Zona Franca. Então a palavra dos dois não vale nada”, relatou Marcelo Ramos.
Sem a confiança em Paulo Guedes, Ramos explica que a estratégia da bancada é judicializar a questão. O deputado chegou a conversar com os ministros Luiz Fux e Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal para apontar as preocupações de seu estado. Apesar de Moraes ter concedido nessa sexta-feira (6) uma medida cautelar excluindo produtos da Zona Franca de Manaus da redução do IPI, o processo ainda deverá ser julgado em plenário.
PublicidadeO Ministério da Economia foi contatado pela reportagem para prestar sua versão do ocorrido e as causas da quebra do acordo. A assessoria de comunicação informou que não irá se pronunciar.
Impacto ambiental
Marcelo Ramos conta que a principal preocupação de sua bancada com a redução do IPI é o impacto que isso traria à preservação ambiental no Amazonas. “O estado do Amazonas tem 96% de sua floresta preservada porque tem uma matriz econômica não agressiva do ponto de vista ambiental. Isso contrasta completamente com o desmatamento do Pará e Rondônia”, apontou.
Os dois estados citados adotaram modelos econômicos voltados para a mineração, pecuária e agricultura: setores cuja natureza exige a execução de obras com elevado grau de desmatamento. “Nós não precisamos avançar sobre a floresta justamente porque adotamos um modelo industrial”, explica Ramos. O deputado teme que, caso perca esses empreendimentos industriais, a população local se veja forçada a adotar as práticas econômicas dos estados vizinhos.
Marcelo Ramos ainda teme que, caso sejam adotadas as regras desejadas pelo governo para o IPI, outros estados sejam economicamente prejudicados. “O Amazonas é um dos poucos estados da federação com equilíbrio fiscal. Mesmo com a Zona Franca, nós temos um saldo positivo de R$ 9 bilhões: nós pagamos mais do que recebemos de imposto. Esse nosso dinheiro serve justamente para pagar as dívidas de estados que não conseguem atingir esse equilíbrio”, ressalta.
O vice-presidente da Câmara considera que o interesse do governo em reduzir o IPI nacional não se dá por interesses estritamente econômicos ou em benefício aos demais estados, mas sim por interesse eleitoral. “A redução do IPI é mero populismo fiscal. O governo está levantando essa bandeira justamente quando estamos próximos das eleições”, alertou.
Contraponto nacional
A posição da bancada amazonense sobre a redução do IPI já é vista com preocupação pela Frente Parlamentar pelo Brasil Competitivo. O presidente do grupo, o deputado Alexis Fonteyne (Novo-SP), é favorável a uma redução geral da carga tributária no Brasil, e considera que a manutenção do regime fiscal diferenciado de Manaus é um preço muito caro pago pelos demais estados e municípios.
“A Zona Franca de Manaus é sempre tratada por tributaristas como algo que não pode ser tocado. Só que isso deixa o Brasil refém. Veja o que acontece agora: não podemos reduzir o IPI de todo o país por conta da cidade de Manaus. A cidade ganha uma vantagem competitiva que acaba impedindo a redução tributária no Brasil inteiro. É uma situação inusitada”, relatou.
A justificativa de Alexandre de Moraes e o entendimento de Marcelo Ramos de que a redução do IPI é uma tentativa do governo de fazer demagogia fiscal partem, na visão de Fonteyne, de uma conclusão errônea. O deputado afirma que a redução da carga tributária nacional já era prioridade do governo desde o início do mandato, e enxerga o interesse de Guedes em revogar a Zona Franca de Manaus como uma pauta original do ministro.
Fonteyne defende que, no lugar da Zona Franca, o Amazonas passe a explorar vocações relacionadas diretamente às possibilidades da Amazônia. “A vocação da Amazônia não é produzir bicicletas, ar-condicionado ou refrigerantes. Temos um projeto de lei que está parado, do próprio Marcelo Ramos sobre o mercado de carbono, que vai trazer uma fonte de recursos muito maior do que a Zona Franca de Manaus”, apontou.
A possibilidade de produção de créditos de carbono a partir da preservação da Amazônia e de exportação desses créditos para empresas do exterior é vista pelo deputado como a principal alternativa ao modelo industrial de Manaus. “A Amazônia é praticamente uma Arábia Saudita reversa. Enquanto no Oriente Médio se extrai o carbono do subsolo para vender e queimar em seguida, a floresta é um carbono sequestrado na superfície e que pode trazer recursos pela simples preservação de sua vegetação”, compara.
O acordo da bancada amazonense com o governo para que produtos da Zona Franca de Manaus sejam excluídos do IPI, porém, não deixa de ser visto por Fonteyne como uma alternativa viável ao embate entre governo e parlamentares amazonenses, que emperra as duas pautas. A forma como o acordo foi desenhado, porém, precisa de ajustes em sua opinião. “Precisa ser uma exclusão com prazo determinado. Não dá para viver eternamente nesse modelo subsidiado”, defendeu.
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