O grupo de trabalho sobre o comitê gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) apresentou seu relatório em 8 de julho. O texto estabelece as regras de governança do órgão que será responsável por administrar o novo tributo. Para o presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), Francelino Valença, o projeto precisa ser aperfeiçoado para impedir, entre outros pontos, que o contribuinte julgue a si próprio. Ele também defende que, apesar da pressão de outras categorias, somente a administração tributária faça a fiscalização, tributação e julgamento do IBS.
- A Fenafisco é uma das apoiadoras do Prêmio Congresso em Foco.
Veja a íntegra da entrevista:
Congresso em Foco – Uma das novidades que serão implementadas com a reforma tributária é o comitê gestor do IBS. Como esse órgão funcionará?
Francelino Valença – A reforma retira os tributos dos Estados (ICMS) e municípios (ISS) e agora isso será compartilhado. Então a administração do ICMS, por exemplo, que era feita pelos governadores, agora com o IBS será feita por essa instância que é o comitê gestor. Ele será composto por 27 representantes dos estados e 27 representantes dos municípios.
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Uma das grandes funções desse órgão é ditar o regulamento do IBS. Então, esse comitê gestor não só vai fazer isso, como vai dar as diretrizes da fiscalização, arrecadação, tributação, vai ter controle das informações e uma instância de uniformização das administrações tributárias e também das procuradorias.
É um órgão que não existia, não foi nem concebido sequer no passado. Até a natureza jurídica dele entrou em debate. Mas não dá para conceber o funcionamento do modelo adotado, desse imposto compartilhado, sem um órgão como o comitê gestor.
Como o senhor avalia o relatório do Grupo de Trabalho na Câmara que debateu o projeto sobre o comitê gestor?
Da forma que está proposto, eu não vou dizer que está ruim. Pode melhorar um pouco, mas o maior risco que nós vemos é piorar.
Nós vimos que o grande debate, o discurso, a narrativa construída, foi que nós estamos pegando o que há de melhor no mundo em relação ao IVA [Imposto sobre Valor Agregado]. Só que um ponto que esse IVA moderno mantém, que é uma coisa só nossa e não tem paralelo em outros países, é a questão do julgamento.
O grande problema que a gente está identificando nesse IVA é que se criou uma instância que qualquer contribuinte julga a si próprio. Para nós, isso é surreal e não deveria existir de forma alguma.
Como assim?
Porque caso o contribuinte não satisfaça suas expectativas no Poder Executivo, sempre tem o Judiciário para recorrer se houver alguma ameaça ou agressão de direito. Só que a administração pública, que é responsável pelo IBS e pelo IVA, está colocando o próprio contribuinte para decidir, caso identifique alguma infração à norma. Nós vemos isso como a segunda instância do Comitê do Contencioso Administrativo Tributário e, para nós, isso deveria ser suprimido.
Outro problema que identificamos é a tentativa de outras categorias de fazer parte, inclusive, da administração do IBS.
Quais?
Me refiro especialmente às procuradorias, que afirmam que seriam responsáveis pela legalidade e teriam que fazer parte do Comitê Gestor. Elas já integram, mas na parte da harmonização de legislação, não da fiscalização, tributação e muito menos do julgamento, porque isso cabe à administração tributária, ao Fisco.
Mas por que isso seria ruim?
Porque em várias procuradorias, os procuradores podem, inclusive, advogar. E os auditores, que lançam tributos e fiscalizam, têm atividades incompatíveis com a advocacia, ou seja, não podem advogar. Então como é que um procurador quer fazer parte de um órgão que a sua essência é incompatível com a atividade da advocacia? Como é que pode ele estar à frente desse órgão?
Hoje não há ingerência de outras carreiras na administração tributária. A divisão do Estado por órgãos vai no sentido de aprimorar o próprio Estado.
Como o senhor avalia a taxação de herança de previdência privada, incluída pelos deputados no relatório deste projeto?
Isso só aconteceria em fundos de previdência fechados [planos criados exclusivamente para uma determinada categoria], como é o caso do Funpresp [Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público]. Acredito que houve um equívoco na taxação e acredito que deve ser corrigido durante a tramitação no Senado.
Por quê?
Vamos voltar ao passado. Foi feita uma reforma da previdência cujo intuito foi reduzir a despesa do Estado. Você estimula as pessoas a fazerem aportes em previdência complementar para garantir a desoneração do Estado e ao mesmo tempo permitir que a pessoa construa uma poupança ao longo da vida, para que ele possa complementar a aposentadoria que ela tinha direito. Será que seria justo a gente taxar esse fundo?
Tem que ter tratamento igualitário entre os fundos. Se for para taxar os fundos fechados de previdência, teria também que taxar os fundos abertos [os que são ofertados a qualquer pessoa e mantidos por seguradoras].
O governo optou por dividir a reforma tributária em duas partes. Primeiro, o Congresso aprovou a parte que trata da tributação sobre o consumo, mas ainda falta a reforma sobre a renda e o patrimônio. O senhor acredita que essa parte possa ser aprovada ainda nesta legislatura?
Eu acho muito remota a possibilidade hoje. Nós sabemos que o grande capital de um governo e de um parlamento se dá nos primeiros anos de gestão. Os dois primeiros anos, geralmente, são de grandes reformas. Tanto que a tributária foi no ano passado e a regulamentação está ocorrendo neste ano.
Entramos agora nas eleições municipais. Logo em seguida, na eleição nacional. Não sei se haverá clima no parlamento. E também se os fatores de poder vão permitir uma reforma sobre a renda e o patrimônio, porque atinge as pessoas que realmente têm poder.
Parece que no Brasil ocorre diferente do que a gente está vendo no mundo, com multimilionários defendendo a taxação maior sobre os seus patrimônios, no intuito de fomentar a economia.
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