Apesar do consenso na Câmara dos Deputados sobre a necessidade de um corte de gastos públicos para atingir a meta fiscal em 2025, o pacote de projetos apresentado pelo Ministério da Fazenda segue enfrentando dificuldades para avançar: dentre seus três itens, dois foram submetidos à votação de urgência em plenário, e beiraram a rejeição.
O imbróglio para a votação dos dois projetos da lei e da PEC que compõem o pacote de cortes inclui tanto a resistência de parlamentares de diversas correntes a pontos específicos do texto quanto uma disputa entre Legislativo e Judiciário que já começa a afetar a relação entre o Executivo e o Congresso Nacional
Questão do BPC
Dentro do texto, a principal barreira é a discussão sobre as alterações propostas pelo governo ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), benefício que prevê um pagamento por parte do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) a idosos ou pessoas com deficiência inseridas em grupos familiares com renda mensal inferior a um quarto de salário mínimo por indivíduo.
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Atualmente, o cálculo para verificar se o idoso ou pessoa com deficiência tem ou não direito ao BPC leva em consideração a realidade de seu domicílio. Um dos itens do pacote de cortes, o PL 4614/2024, prevê no cálculo a inclusão do patrimônio de cônjuges e parentes, independentemente de habitarem ou não o mesmo domicílio. Também será exigida a atualização bianual do cadastro de beneficiários com condição não registrada no Código Internacional de Doenças.
Para parlamentares tanto no PT quanto em partidos ideologicamente distantes, como o União Brasil, consideraram a medida exagerada. O principal receio é de que, com a mudança, pessoas em situação de abandono familiar ou dependentes da atenção de cuidadores percam suas fontes de subsistência. Mesmo na bancada petista, a insatisfação é generalizada, mas não houve fechamento de questão a respeito.
Nesta terça (10), o Ministério da Fazenda manifestou estar disposto a negociar o trecho relativo ao BPC. Não houve, porém, fechamento de questão sobre como será feita sua alteração ou retirada.
Restrição sobre emendas
Principal instrumento adotado pelo governo Lula para manter partidos de centro, centro-direita e direita em sua base, a execução de emendas parlamentares enfrenta dificuldades desde o mês de agosto. Diante da falta de instrumentos de controle e transparência dos repasses, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu todas as emendas de comissão, de relator e individuais, na prática congelando R$ 25 bilhões que estariam à disposição dos deputados e senadores.
Em novembro, após sucessivas rodadas de negociação junto ao Supremo, o Congresso aprovou a lei que regula as emendas impositivas. Flávio Dino, em resposta, liberou a execução, mas manteve diversas ressalvas que inviabilizam em especial as emendas individuais de transferência especial, conhecidas como Emendas PIX. Originalmente, estas eram enviadas diretamente às contas de prefeituras e instituições beneficiadas, sem a definição de um objetivo. O ministro condicionou os repasses à apresentação de um projeto pré definido, mantendo bloqueados os empenhos de 2024.
Sem a principal ferramenta para lubrificar a relação com o Congresso, o governo passa a enfrentar dificuldades para avançar com seus projetos. A situação se agrava diante da insatisfação das bancadas do PSD e União Brasil, que carregam a mágoa pelo apoio do PT à campanha de Hugo Motta (Republicanos-PB) à presidência da Câmara, contrariando os líderes Elmar Nascimento (União-BA) e Antonio Brito (PSD-BA).
Para tentar aliviar a situação, o governo apresentou nesta noite uma portaria definindo os termos para execução das Emendas PIX, buscando um meio-termo quanto à decisão do STF. Apesar de preservar a necessidade de um projeto prévio para emendas solicitadas a partir de 2025, o requisito não se aplica para as anteriores ao dia 3 de dezembro de 2024, abrindo espaço para a liberação dos recursos.
Desconforto legislativo
Em conversa com jornalistas nesta terça, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), relembrou que a própria natureza do pacote cria um desconforto na Casa. Um dos projetos, o PLP 210/2024, altera exatamente os termos do arcabouço fiscal aprovado em 2023. O cumprimento do arcabouço é o principal motivo pelo qual o governo necessita dos cortes.
“O acerto é que não tem votos. O assunto é polêmico. (…) É um assunto que ferve, além de toda a insatisfação pelo não cumprimento de uma lei que foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Congresso Nacional”, afirmou. Mesmo se resolvida a questão das emendas e do BPC, ele ressaltou que a própria complexidade dos projetos pode inviabilizar a votação antes da próxima semana.