Nos últimos dias, temos acompanhado o embate entre o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT). O cerne do conflito gira em torno da liberação de emendas parlamentares, especialmente em relação às emendas de comissão, cuja execução não é obrigatória. A busca intensa do Legislativo por recursos para emendas não é nova e tampouco se restringe às emendas de comissão.
Ao longo do tempo, houve um crescimento nos valores de emendas parlamentares pagas pelo Executivo, devido a mudanças institucionais que levaram à obrigatoriedade no pagamento desses instrumentos, como a que definiu a impositividade das emendas parlamentares individuais, em 2015, e das emendas de bancada, em 2019. Isso possibilitou o aumento do volume de emendas parlamentares pagas (incluindo restos a pagar) desde 2015, conforme dados dispostos no gráfico a seguir.
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Valores de emendas parlamentares pagas por ano de execução (incluindo Restos a Pagar) – 2015-2023.
Fonte: Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop).
Ainda em 2019, o Legislativo deu um passo maior no acesso e controle das emendas, por meio da aprovação da Emenda Constitucional nº 105, de 12 de dezembro de 2019 (EC nº 105/2019), que criou as transferências especiais, uma modalidade de repasse de recurso a estados e distrito federal e municípios, via emendas parlamentares individuais. Esses recursos não podem ser utilizados para pagamento de pessoal e encargos sociais relativos a ativos, inativos e pensionistas e nem para pagamento de dívidas, mas podem ser utilizados para demais despesas de custeio e de capital, especialmente para os investimentos.
Outra inovação das transferências especiais é que os valores são repassados diretamente ao ente federado e não depende da realização de convênios para isso. Uma vez transferidos, os valores passam a pertencer aos entes federados. Por isso, esse tipo de transferência via emenda individual foi denominada, popularmente, de “emenda PIX”.
Devido ao seu caráter desburocratizado, os políticos têm tido uma predileção por este tipo de transferência. Atualmente, a modalidade de transferências especiais já consome um terço dos valores destinados para emendas orçamentárias individuais. Quando são excluídos os valores para que devem ser, obrigatoriamente, destinados à saúde (50% dos recursos totais), as transferências especiais já consomem quase 70% do orçamento livre das emendas individuais.
Por um lado, recursos destinados, sem vínculo a instrumentos de planejamento com o Plano Plurianual (PPA), e de forma direta, sem intermediários, ampliam o poder dos parlamentares, sobretudo em ano de eleições municipais. Por outro, os prefeitos têm preferência por esse tipo de transferência, diante da celeridade no recebimento e na liberdade em relação ao seu uso. Com isso, o número de municípios atendidos por emendas via transferências especiais tem aumentado ano após ano.
Fonte: Tranferegov.
Considerando que a maior parte dos municípios brasileiros depende, fortemente, de repasses federais (como FPM e Fundeb, por exemplo), esses recursos passam a ser estratégicos dentro das contas públicas das prefeituras, especialmente em ano eleitoral. Os prefeitos passam a depender mais de deputados federais e senadores, que, por sua vez, ganham poder. Os parlamentares buscam, com isso, maiores fatias do orçamento e passam a ter força para pressionar o governo para que acelerem o pagamento das emendas. A exemplo, o Congresso Nacional tentou aprovar para o orçamento de 2024 – Via Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) – um calendário fixo de liberação das emendas orçamentárias. Na prática, o governo ficaria incumbido de empenhar todas as emendas de execução obrigatória ainda no 1° semestre do ano. Todavia, o dispositivo foi vetado pelo Poder Executivo.
Se antes de 2015, o governo federal tinha maior discricionariedade sobre o pagamento das emendas, hoje o Congresso ganhou um protagonismo sem precedentes na história recente do país. Individualmente, os parlamentares se tornaram ainda mais centrais para os municípios em ano eleitoral. Considerando que as eleições se aproximam e que existem limites legais expressos em relação, por exemplo, ao comparecimento de pré-candidatos à inauguração de obras três meses antes do pleito, tempo, nesse caso, é literalmente, dinheiro.
Dessa forma, é evidente que o impacto das transferências especiais sobre a política local transcende o aspecto meramente financeiro. Passa a ser um recurso de poder a mais que empoderam parlamentares e, também, os atuais prefeitos.
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