A alfabetização de crianças é um assunto do século 19 que o Brasil ainda não resolveu. Trata-se de um problema dos governos estaduais e municipais. O MEC parece disposto a enfrentá-la e colocar sua credibilidade à prova. Mas o que poderia fazer o Congresso Nacional num tema que, a rigor, é de responsabilidade dos municípios?
Menos do que legislar, talvez a maior contribuição do Congresso seria a de contribuir para manter um debate qualificado sobre o tema, sobretudo no sentido de ampliar o espaço para o contraditório e o papel de contraponto e fiscalização que lhe compete.
Comecemos com um exemplo. Em 2003 a Comissão de Educação e Cultura tomou uma iniciativa de vulto – promoveu um seminário internacional baseado num relatório sobre o tema elaborado por cientistas especializados no tema. Este relatório levou 16 anos para ser assimilado pelas autoridades do MEC – que, somente em 2019, produziu um documento que, essencialmente, refez, atualizou e detalhou o roteiro que leva a uma alfabetização bem-sucedida. Ponto para o Congresso.
Agora, um contraexemplo. Na aprovação do Plano Nacional de Educação, a lei aprovada pelo Congresso fala em “alfabetização na idade certa”. – sem defini-la. Este foi um chavão inventado para retirar a responsabilidade das escolas e do poder público sobre o tema. Qual é a idade certa? E se existe, quem tem autoridade para dirimir? O que se ensina ou não nas escolas se estabelece num currículo nacional, que serve para dar diretrizes gerais, e nos programas das redes de ensino e das escolas. Infelizmente o Brasil patina nessas questões, mas o uso de termos ambíguos não ajuda. Especialmente em questões de vida ou morte – como a da alfabetização. Menos leis e leis mais objetivas e viáveis contribuem. Leis abundantes e ambíguas atrapalham.
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Este é o momento em que o Congresso Nacional poderia dar uma grande contribuição: promover um debate sério a respeito do estado real da alfabetização no Brasil. Analisar os dados existentes. Avaliar as evidências. Ouvir os que possuem dados científicos e evidências empíricas. Avaliar as causas que levaram ao insucesso de tantas iniciativas do governo federal – isso pode servir de alerta contra arroubos do tipo “agora vai”.
Um caso interessante que merece um grande debate nacional é o do Ceará. Ali se encontram exemplos de avanços impressionantes. Mas falta, ao país, um conhecimento e uma visão mais concreta e detalhada do que ali efetivamente ocorre e dos resultados, especialmente no caso da alfabetização. Isso precisaria ser debatido com profundidade.
No dia 2 deste mês tive oportunidade de concluir, junto com um grupo de colegas, um novo estudo de caso a respeito da experiência educacional de Sobral. E não se pode falar do Ceará sem falar de Sobral. Nenhum município brasileiro conseguiu repetir o seu feito – e esse novo estudo procura demonstrar por que isso ocorre e como poderia ser feito. O estudo também mostra a distância que separa os avanços ocorridos em Sobral em relação aos também impressionantes avanços ocorridos na maioria dos municípios do Ceará, especialmente os de pequeno porte.
Esses são exemplos de temas sobre os quais tanto a Câmara dos Deputados quanto o Senado poderiam promover debates efetivos – não no formato de audiências públicas- mas num formato que permita aos parlamentares e ao país tomar conhecimento do que se pode fazer para resolver em pouco tempo um problema do século 19 que continua a condenar milhões de crianças ao fracasso escolar.
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