Antonio Araujo Andrade Junior*
Recentemente, a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado Federal (CRA) promoveu uma audiência pública para discutir o PL 1.459/2022, que “flexibiliza” as regras para fiscalização e uso de agrotóxicos. Lá pelas tantas, um representante de uma entidade do agro passa a defender o descolamento entre o Projeto de Lei e a vida real.
No mundo ideal, os agrotóxicos são aplicados de forma contida e plenamente consciente. No mundo ideal, as limitações estatais à fiscalização não devem ser consideradas por legisladores. Sobre a fiscalização e uso de agrotóxicos, ainda se ouviu absurdos do tipo: “É um problema meramente administrativo. Ora! Que se contrate mais fiscais e reforce as instituições. É um dever do governo, do parlamento…”.
Por ironia, não mera coincidência, a pauta seguinte da CRA seria a do PL 1.293/21, conhecido como “PL do Autocontrole”, mas que em verdade pouco traz sobre autocontrole, entendido como o controle das empresas sobre suas atividades de produção, controle e gestão da qualidade. Quase todo o projeto de lei trata da redução de mecanismos de fiscalização do Estado e da ampliação desmedida das atribuições da inciativa privada em defesa agropecuária.
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O autocontrole, restrito àquela pequena fração do conteúdo do Projeto de Lei, e por sinal a menos polêmica, assim como a participação da iniciativa privada nas ações de defesa agropecuária, são bem-vindas e já estão em regulamentos e na rotina da defesa agropecuária. No PL, o autocontrole foi usado como pretexto, somente para dar passagem a uma boiada.
O PL 1.293/21 não tem freios. Ao mesmo tempo que abre comandos ilimitados, deixa tudo para os regulamentos, sem oferecer parâmetros claros e contenções. O credenciamento de pessoas jurídicas e a habilitação de pessoas físicas, institutos que já existem, passam a vigorar sem dispositivos que os limitem, “para a prestação de serviços técnicos ou operacionais relacionados às atividades de defesa agropecuária”, diz o trecho do projeto. No regulamento espera-se o limite.
Mesmo num esforço hercúleo para crer no que está escrito, não adianta refugiar-se no parágrafo onde se lê que não é permitido aos credenciados ou habilitados desempenhar atividades “próprias” da fiscalização agropecuária que exijam o “exercício específico” de poder de polícia administrativa. A interpretação dominante é que apenas as fases de regulamentação e sancionatórias do poder de polícia administrativa não seriam terceirizadas, ainda assim são desmontadas no projeto. As fases autorizativas de atividades (concessões de licenças, por exemplo) e conferência de cumprimentos aos regulamentos (inspeções, por exemplo) seriam completamente terceirizadas.
Quem vai remunerar as credenciadoras que contratarão os especialistas, que farão as vezes do auditor fiscal federal agropecuário? Novamente, aqui, dois institutos que já existem: o registro automático e o apoio de especialistas. Porém, nesse projeto de lei, estão dispostos ilimitadamente. Fica tudo para ser definido em regulamento.
A “regularização por notificação” não tem limites no Autocontrole, ou seja, a adoção de medidas corretivas pelo agente regulado, em decorrência de notificação expedida pela fiscalização agropecuária sobre irregularidade ou não conformidade, observado o prazo estabelecido, sem autuação do agente infrator correrá sem freios. Aqui, o PL poderia restringir o instituto às infrações de natureza leve, que não comprometam em grau crítico a qualidade do produto final. Mas, assim como os demais casos citados, deixaram em aberto para ser definido em regulamentação.
Com a aprovação do PL do Autocontrole, a regulamentação se dará em ambiente de forte pressão sobre agentes públicos, fragilizando ainda mais essa difícil relação com o poder econômico, afinal de contas, com o precedente aberto por esse projeto de lei, o céu é o limite.
*Auditor fiscal federal agropecuário e diretor de comunicação e relações públicas do Anffa Sindical.
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