Desde a apresentação da primeira versão do Novo Código Eleitoral (PLP n° 112, de 2021) passaram-se mais de três anos, foram apresentados 3 pareceres, 144 emendas e 8 manifestações. Isso é positivo: mostra que o debate está se dando na proporção da importância que um novo Código Eleitoral terá sobre o sistema, a prática e os resultados eleitorais.
Do ponto de vista da igualdade política, que se expressa principalmente pelo combate à sub-representação de grupos historicamente marginalizados na política (mulheres, negros, indígenas, LGBT+), a discussão tem sido acalorada. Isto porque, entre o texto original e as diversas emendas, os direitos adquiridos por esses grupos ao longo da história estiveram em risco, assim como suas possibilidades de avanço.
No final de 2024, logo antes do recesso parlamentar, o senador Marcelo Castro protocolou um relatório detalhado sobre o texto do projeto e suas respectivas emendas. A expectativa, pelo que mostram as movimentações parlamentares, é que a última versão do projeto seja votada em breve. Mas como fica, afinal, os pontos cruciais relativos à busca pela igualdade nesse novo Código?
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De fato, há importantes avanços nesse sentido, que não podem deixar de ser mencionados. A garantia da distribuição dos recursos do FEFC para mulheres e negros (sem ainda, no entanto, considerar a interseccionalidade), a correção da contabilização em dobro de votos para o dobro de mandatos de mulheres e negros na divisão dos recursos financeiros (art. 379, § 5º, do PLP), o reconhecimento de que “o termo “sexo” não contempla a diversidade de gênero com seus marcadores sociais singulares e diferenciados, sendo necessário adotar medidas que denotem respeito à diversidade, ao pluralismo”, o aumento de pena no caso de violência política contra a mulher quando houver interseccionalidade de raça ou orientação sexual (além de outras possibilidades de agravantes), a menção explícita à violência política de gênero e raça. Todos esses são avanços inegáveis, fruto de muita luta e incidência política e legislativa por parte dos movimentos sociais.
No entanto, é preciso também apontar riscos de retrocessos graves que este novo Código Eleitoral pode trazer caso seja aprovado dessa forma. O primeiro ponto é o que ganhou manchetes na última semana: Novo Código Eleitoral irá reservar 20% de cadeiras para mulheres no Legislativo. A reserva de cadeiras é comprovadamente uma medida efetiva para combater a sub-representação na política. Não podemos ignorar que as ações afirmativas na política que ficaram a cargo dos partidos políticos foram burladas, mal implementadas e perdoadas ao longo dos anos. Portanto, ainda que 20% seja uma porcentagem aquém do justo e necessário, ela traria um aumento relevante na ocupação de mulheres nas câmaras e assembleias. Como mencionado no próprio relatório:
a reserva de vagas no percentual referido trará impactos significativos na composição dos parlamentos brasileiros, pois 17 unidades da Federação (quase 63%) elegeram percentual inferior nas eleições de 2022 para a Câmara dos Deputados, 15 Assembleias Legislativas (55,5%) também elegeram percentual inferior no mesmo ano e, embora as mulheres representem 16,1% das Câmaras de Vereadores, 935 dos 5.568 municípios brasileiros (17%) elegeram apenas representantes do sexo masculino nessas Casas Legislativas nas eleições de 2020.
O problema é que a história não termina aí. O relatório prevê também que, caso aprovada a reserva de cadeiras de 20% para mulheres, a obrigatoriedade das cotas de candidaturas (que determina que os partidos devem apresentar pelo menos 30% de candidaturas de um dos sexos) será retirada. E isso é grave. Sabemos, pela prática de nossa política, que quando se trata de gênero e raça, o mínimo se torna teto. Portanto, estaremos criando a situação propícia para que a ocupação das cadeiras no Legislativo por mulheres se restrinja a 20%. Os partidos políticos, que demoraram quase 20 anos para cumprir o mínimo de 30% de candidaturas de mulheres, terão agora o Código Eleitoral para respaldar suas ações e se acomodarem, talvez nem apresentando 20% de candidatas, mas o suficiente para que ocupem as vagas reservadas. Esse percentual está distante de produzir uma democracia mais justa e representativa e, se antes esperávamos a paridade nos próximos 200 anos, com essa medida o que podemos esperar é a manutenção da desigualdade. Pelo menos até o próximo Código Eleitoral.
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