Os ataques do presidente Jair Bolsonaro ao Judiciário e ao Legislativo, suas constantes ameaças de golpe militar e a proliferação da parte dele de fake news contra a vacina de covid-19 e o sistema eleitoral deverão levar o Congresso Nacional a atualizar a Lei do Impeachment no país. A propagação de notícias falsas, a incitação de insubordinação das Forças Armadas e a tentativa de deslegitimar os outros poderes estão incluídas expressamente na proposta entregue pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), na última sexta-feira (16) (veja a íntegra do texto mais abaixo).
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O anteprojeto elaborado por uma comissão de juristas liderada por Lewandowski atualiza a Lei do Impeachment, de 1950, e a lista dos crimes de responsabilidade pelos quais o presidente da República e outras autoridades poderão perder seus cargos. Pacheco adiantou que assumirá a autoria do texto após análise da equipe jurídica do Senado. Só então o projeto começará a tramitar, o que deve ocorrer no próximo ano.
A iniciativa de atualizar a legislação partiu de Lewandowski, que argumentou que a lei em vigor há mais de 70 anos não contempla condutas comuns neste início de século 21. A comissão de juristas elaborou a proposta após oito meses de discussões.
Fake news e ameaça a Poderes
De acordo com o texto, estará sujeito a processo de impeachment “qualquer autoridade que divulgar, direta ou indiretamente, por qualquer meio, fatos sabidamente inverídicos, com o fim de deslegitimar as instituições democráticas” e “atentar, por meio de violência ou grave ameaça, contra os Poderes constituídos”.
Também foi incluída na lista dos crimes de responsabilidade a incitação de insubordinação das Forças Armadas ou de órgãos de segurança pública, bem como qualquer ato para “embaraçar o livre exercício dos direitos políticos, o processo eleitoral ou a posse dos eleitos”.
PublicidadeA proposta também qualifica como crime de responsabilidade na Lei do Impeachment “deixar de adotar as medidas necessárias para proteger a vida e a saúde da população em situações de calamidade pública”. O relatório final da CPI da Covid pediu o indiciamento de Bolsonaro por nove crimes por causa de sua atuação frente à pandemia. Entre os delitos atribuídos a ele, está o de prevaricação, que se dá quando um servidor pública deixa de agir diante de uma irregularidade.
Em seus quatro anos de governo, Bolsonaro virou recordista de pedidos de impeachment. Nenhum dos requerimentos, no entanto, foi analisado pela Câmara. Mais de 100 pedidos repousam nas gavetas do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), sem terem sido examinados ou arquivados.
Prazo para manifestação
Conforme o anteprojeto, o presidente da Câmara terá 30 dias para analisar os pedidos de impeachment recebidos e submeter à Mesa Direta ou arquivar, de maneira liminar, a denúncia, por não preencher os requisitos jurídicos. Caso ele não se manifeste nesse período, a denúncia será sumariamente arquivada, cabendo a possibilidade de recurso se houver apoio de um terço dos parlamentares. Parlamentares da oposição pediram ao Supremo que obrigasse Lira a se manifestar sobre as ações contra Bolsonaro. A solicitação, no entanto, foi rejeitada pela maioria dos ministros.
A proposta estabelece que partidos políticos que tenham representante no Congresso, sindicatos com pelos menos um ano de atividade, cidadãos, mediante petição que preencha requisitos de iniciativa legislativa popular, e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) poderão apresentar denúncias que desdobrem em pedidos de impeachment.
“Acolherei o anteprojeto, faremos um exame pela Presidência do Senado, na nossa diretoria técnico-jurídica, juntamente com a nossa Advocacia e nossos consultores e muito brevemente espero apresentar a proposição legislativa formalmente no Senado Federal, como uma proposição da Presidência do Senado”, afirmou Pacheco ao receber o texto das mãos de Lewandowski.
O ministro do Supremo afirmou que o anteprojeto pretende modernizar a lei de 1950, resguardando as garantias fundamentais da Constituição de 1988. “Nós procuramos adequar este anteprojeto àquilo que a Constituição indica, sobretudo no que diz respeito ao sistema de garantias que ela inaugurou a partir de 1988. Aqui nós temos um conjunto de sugestões sobre as quais os parlamentares podem se debruçar”, disse.
Os alvos
Pelo texto, poderão ser enquadrados em crimes de responsabilidade e responder a processo de impedimento as seguintes autoridades:
– o presidente da República e o vice-presidente;
– os ministros de Estado e os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica;
– os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF);
– os membros do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP);
– o procurador-geral da República (PGR) e o advogado-geral da União (AGU);
– os ministros dos tribunais superiores e do Tribunal de Contas da União;
– os chefes de missões diplomáticas de caráter permanente;
– os governadores, os vice-governadores e os secretários dos estados e do Distrito Federal;
– os juízes e desembargadores dos tribunais de Justiça dos estados e do Distrito Federal;
– os juízes e membros dos tribunais militares e dos tribunais regionais federais, eleitorais e do trabalho;
– os membros dos tribunais de contas dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, e do Ministério Público da União, dos estados e do Distrito Federal.
Crimes de responsabilidade
O anteprojeto relaciona os diversos tipos de crimes de responsabilidade, separados por temas:
– crimes de responsabilidade contra a existência da União e a soberania nacional;
– crimes de responsabilidade contra as instituições democráticas, a segurança interna do país e o livre exercício dos Poderes constitucionais da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios;
– crimes de responsabilidade contra o exercício dos direitos e garantias fundamentais;
– crimes de responsabilidade contra a probidade na Administração;
– crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária.
Direitos políticos
O texto também torna lei a separação da votação final no Senado em caso de impeachment de presidente da República, como ocorreu durante o impedimento da então presidente Dilma Rousseff, em 2016.
Primeiro os senadores terão que votar respondendo à pergunta “Cometeu a autoridade acusada o crime que lhe é imputado e deve ser condenada à perda do cargo?” Depois haverá nova votação sobre a inabilitação para o exercício de cargo público, limitada ao prazo de oito anos. Dilma perdeu o cargo, mas os senadores decidiram não torná-la inelegível por oito anos. Em 1992, Fernando Collor de Mello teve o mandato cassado e perdeu os direitos políticos por oito anos.
Além de Lewandowski, que presidiu os trabalhos, também fizeram parte da comissão os seguintes juristas: Fabiane Pereira de Oliveira, que foi a relatora, Rogério Schietti Machado Cruz, Antonio Augusto Anastasia, Heleno Taveira Torres, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, Fabiano Augusto Martins Silveira, Maurício de Oliveira Campos Júnior, Carlos Eduardo Frazão do Amaral, Gregório Assagra de Almeida e Pierpaolo Cruz Bottini.
(Com informações da Agência Senado)
Confira a proposta:
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