Hugo Motta ressuscitou o debate sobre a mudança do sistema de governo no país, defendendo a tramitação de emenda constitucional para a implantação do semipresidencialismo, modelo em que o presidente da República convive com um primeiro-ministro como chefe de governo, mas mantém algumas prerrogativas. O deputado Luiz Carlos Hauly, antigo defensor da ideia, já conseguiu as assinaturas necessárias (mínimo de 171) para protocolar a proposta, mas quer atingir a marca de 300 apoiadores — os petistas não assinaram. A discussão não é nova, mas volta à pauta num momento de conflito entre os Poderes, diante do protagonismo que o Legislativo ganhou na execução orçamentária.
O debate no Parlamento é livre, mas mudar o sistema de governo é coisa difícil. Em 2022, Arthur Lira criou um Grupo de Trabalho para discutir o assunto, com consultoria de Michel Temer, dos ex-ministros do STF Ellen Gracie e Nelson Jobim e de outros juristas. Depois de 120 dias, o relatório do ex-deputado tucano Samuel Moreira afirmava que era “imperioso”, “forçoso” e “imprescindível” alterar a configuração do sistema de governo, seja pela instabilidade política inerente ao presidencialismo seja pela redistribuição de poder entre Legislativo e Executivo ocorrida nos últimos anos.
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Essa instabilidade vem se agravando com o progressivo aumento no volume de emendas impositivas ao Orçamento. Em 2015, no governo Dilma Rousseff, foram as emendas individuais. Depois entraram nessa categoria as emendas das bancadas estaduais, em 2019, no governo Bolsonaro. No mesmo ano, a LDO tornou obrigatória a execução das emendas do relator-geral do Orçamento e as das comissões permanentes. E mais: o Congresso aprovou a transferência direta de até 50% dos recursos das emendas individuais a estados e municípios sem necessidade de uma finalidade específica, desde que 70% sejam destinados a obras.
O Orçamento impositivo construído pelo Congresso descambou no “orçamento secreto”, com as “emendas pix” e o amplo poder do relator. Tudo isso está nas mãos do Supremo — não só a definição de regras de transparência, mas também duas dúzias de processos com denúncias de irregularidades. Ainda em fevereiro a primeira Turma da Corte deve julgar um desses casos, envolvendo parlamentares do PL.
Michel Temer e o ministro do Supremo Gilmar Mendes são dois aguerridos defensores do semipresidencialismo. Em 2017, Gilmar chegou a encaminhar uma minuta de proposta ao Congresso. Em janeiro deste ano, voltou ao tema, num evento em Londres. Referindo-se à questão das emendas, disse: “É um modelo esquisito, estrambótico. O parlamentar participa da execução da política, mas não tem responsabilidade. Não é chegada a hora de pensarmos em um semipresidencialismo?” Para Hugo Motta, parece que sim.
A relação dos parlamentares com o Orçamento serve tanto de argumento de defesa quanto de ataque ao parlamentarismo. Em abril de 1993, houve um plebiscito, previsto pelos constituintes de 1988, sobre a forma — República ou Monarquia — e o sistema de governo — presidencialismo, ou parlamentarismo. A campanha parlamentarista começou forte e foi minguando. A República foi reafirmada por 66,26% (43.881.747 votos), e o presidencialismo venceu com 55,67% (36.685.630 votos). Os parlamentaristas conseguiram um quarto das preferências (24,1% ou 16.415.585 votos).
Meses depois do resultado, estourou o escândalo dos “Anões do Orçamento”, como ficaram conhecidos os deputados que manipulavam recursos na Comissão Mista de Orçamento. Como eram sete os principais nomes e, coincidentemente, tinham baixa estatura, o apelido pegou. Uma CPI investigou o uso de verbas para pagamento de propinas por empreiteiras, entre outras irregularidades. Depois do caso, a imagem do Congresso pirou muito. Desde então, os “anões” cresceram. Agora são gigantes.
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