Ao final da noite de quinta-feira (8), Dia Internacional da Mulher, um experimentado assessor de um veterano deputado federal esperava capisbaixo por um carro de aplicativo na porta da Chapelaria, a entrada principal dos prédios da Câmara e do Senado.
O assessor estava atônito com a pantomima feita no início da tarde pelo deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) que, em pleno Dia da Mulher, subiu à tribuna para debochar de suas colegas vestindo uma peruca loira e anunciando que, naquele momento, “se sentia uma mulher chamada Nikole”.
Mas, além de atônito e horrorizado com a baixaria, o que preocupava o assessor era o fato de que aquele tipo de postura mal-educada, que estimula o ódio, ia se tornando comum no Parlamento. No mês passado, o deputado Sargento Fahur (PSD-PR), em um evento em defesa da indústria armamentista xingou o ministro da Justiça, Flávio Dino: “Vem buscar a minha arma, seu merda!”, gritou ele em seu discurso.
Pela primeira vez na história, o Congresso Nacional tem duas mulheres trans como representantes, Erika Hilton (Psol-SP) e Duda Salabert (PDT-MG). Ao subir à tribuna com sua peruca loira dizendo que era “Nikole”, Nikolas ofendeu duas de suas colegas de Parlamento. Esqueceu-se de que elas foram igualmente eleitas como ele. Receberam o mesmo diploma que ele. Representam da mesma forma seus eleitores. E merecem respeito. E nem merecem respeito por tudo isso. Mereceriam respeito mesmo sem nada disso, porque são seres humanos.
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O que angustiava o assessor, além de todo o mal-estar causado por ter presenciado a baixaria, era a angústia quanto a essa escalada de lacração. O Congresso é o espaço do diálogo. Não é por outra razão que se chama “Parlamento”. É onde as pessoas de pensamentos diversos conversam para a busca de um consenso. Consenso que é a raiz da democracia, a flor que viceja a partir desse diálogo.
No entanto, chegam cada vez mais ao Congresso figuras como Nikolas e Fahul. Que chegam justamente porque fazem da propagação do ódio contra aqueles que elegem como inimigos a ferramenta para obter seus votos. Inimigos, não adversários. Para transformar o que seria o campo do diálogo em um território de guerra.
“A seguir assim, meu deputado não se elege”, comentava o assessor. “E ele não se elegendo, eu não estou disposto a ficar propagando essa guerra”. É que não há a menor possibilidade de construção de uma democracia se ela vier a pressupor que uns precisam sobrepujar os outros, vencê-los, destruí-los. A democracia não é a imposição da vontade da maioria sobre a minoria. A democracia é o resultado do diálogo da maioria com a minoria.
E o que torna tudo isso ainda mais complicado é que essa direita que propaga o ódio foi derrotada nas eleições de outubro passado. Se já era uma visão incorreta imaginar a democracia como imposição da maioria sobre a minoria, mais incorreta – absurda mesmo – seria imaginá-la como imposição da minoria sobre a maioria.
Há um componente de destruição no comportamento dos parlamentares lacradores que precisa ser urgentemente contido.
Durante muito tempo, esse tipo de postura foi marginal no Congresso. Havia um único deputado lacrador. Que por diversas vezes agrediu colegas sem que nada com ele acontecesse. Esse deputado elegeu-se presidente da República. Derrotado quatro anos depois, seus seguidores tentaram dar um golpe de Estado e destruíram os três principais prédios da República no dia 8 de janeiro. O Congresso seguirá permitindo tais lacrações sem que nada aconteça? Até quando? Até o próximo 8 de janeiro?
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