Seriam dezenove bilhões de reais literalmente no escuro nas mãos do relator para 2023 e o bolo secreto de “verbas-coringa” (sem destinação prévia) passaria a ser dividido entre o relator do orçamento, o presidente da Câmara, o presidente do Senado e os líderes de bancadas de alguns partidos graças a um mágico projeto de resolução aprovado no Congresso em meio ao julgamento do STF.
Sem podermos nos esquecer que o Brasil é um dos oito signatários mundiais do pacto dos governos abertos ao lado de Estados Unidos, Grã-Bretanha, Noruega, México, África do Sul, Filipinas e Indonésia, firmado em 2011, quando nos comprometemos a sermos referência mundial em matéria de transparência.
Foi este o artifício que se tentou usar para criar a falsa impressão de que o “orçamento secreto” estaria ao menos mitigado, mas não era verdade. Tentou-se criar um ardil para, através de um sistema atenuado do que se tinha, convencer o STF, em pleno julgamento em curso, de que o Congresso estaria abrindo mão de parte de seu poder. Detalhe: o Congresso transacionava enquanto isto a aprovação da PEC da transição. É ilustrativo neste sentido o pensamento de Giuseppe di Lampedusa “Tudo deve mudar para que fique como está”.
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É como se estivessem instituindo que as práticas espúrias do “orçamento secreto” passariam a ser praticadas por um grupo maior de pessoas, como se isto tivesse o poder de tornar a prática legítima. O único deslinde possível para o caso era realmente o caminho preconizado no voto da Ministra relatora Rosa Weber, seguido pelos Ministos Barroso, Fachin, Carmen Lúcia, Fux e Lewandowsky que reconhecem a afronta que o “orçamento secreto” impõe à nossa Constituição Federal aos princípios da publicidade e separação dos poderes.
A única saída republicana possível foi adotada – extirparmos este tipo de expediente, que o Congresso insiste em manter. Era pavorosa e devastadora a hipótese de ser esta prática nefasta chancelada e naturalizada pela suprema corte do país em nome da governabilidade política. Significaria que o Poder Judiciário deixou de cumprir seu papel de interpretar a vontade abstrata da lei aos casos concretos para simplesmente dizer amem ao poder político quando isto convém.
Após a tal resolução aprovada a toque de caixa pelo Congresso, quando a votação apontava 5×4 pela proclamação da inconstitucionalidade, acompanhando a relatora, quando faltavam os votos dos Ministros Lewandowsky e Gilmar aguardou-se a retomada do julgamento suspenso na semana passada, mas o Ministro Lewandowsky foi categórico ao registrar que a resolução não eliminava as inconstitucionalidades graves contidas na prática.
O tema era tão sério e grave que a Constituição Federal, nossa carta política, ao tratar dos crimes de responsabilidade do presidente da República, elenca as hipóteses, no artigo 85, como lembra nosso sempre Ministro do STF Ayres Britto, Conselheiro do Instituto Não Aceito Corrupção, sendo sete, a primeira delas atentar contra a existência da União, a segunda contra o livre exercício do Legislativo, do Judiciário, do MP, e dos poderes constitucionais das unidades da federação e a sexta, contra a lei orçamentária. Ou seja, o tema orçamento é de importância capital, cuja força sancionadora pode levar ao impeachment do mandatário maior da nação.
Ao final, por 6×5 o STF decidiu proclamar a inconstitucionalidade da prática corajosamente revelada pelo repórter Breno Pires, que por isto foi vencedor de diversos prêmios de jornalismo investigativo, inclusive esteve entre os três premiados na terceira edição do terceiro prêmio Não Aceito Corrupção, realizado em 2022 pela referida reportagem.
Nota-se já com perplexidade que o Congresso reagiu de imediato à decisão da Suprema Corte, chegando a cogitar a esdrúxula hipótese de incluir a prática esconjurada na Constituição Federal por meio de proposta de emenda, em gesto de clara afronta à corte, olvidando-se que se hipoteticamente isto ocorresse a iniciativa estaria fadada ao mesmo destino, vez que o mesmo tribunal inexoravelmente proclamaria igualmente a inconstitucionalidade da proposição, podendo a votação ser ainda mais expressiva em virtude da afronta à Corte.
Não nos esqueçamos que a Câmara dos Deputados, usando o expediente da urgência de votação para sacrificar o debate democrático, deliberou há poucas semanas aprovar uma nova lei regulamentando o lobby, permitindo legalmente que agentes públicos recebam presentes caríssimos e participem de feiras e seminários nababescos a convites de particulares.
A mesma Câmara, por volta das 22h de terça-feira passada, na calada da noite, sem qualquer debate, sem discussão em qualquer comissão, sem ouvir a sociedade civil, modificou também, em menos de dois minutos a lei das estatais, admitindo novas regras que trazem de volta a velha cultura do compadrio político que foi enfrentado em 2016 com o advento da lei 13303/2016 diante do escândalo bilionário da Petrobrás.
Felizmente o STF proclamou a inconstitucionalidade do “orçamento secreto”, mas lamentavelmente a reação sintomática do Congresso é a pior possível, buscando imediatamente atalhos para manter viva de alguma forma a prática considerada inconstitucional. As votações relâmpago de matérias de alta relevância, de forma nada democrática, na contramão do interesse público, transmitem nítida percepção de que a impunidade está garantida por lei, de várias maneiras.
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