*Texto escrito em parceria com Edmere dos Santos Silva, graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), que desenvolve a pesquisa intitulada Processo Legislativo sobre Gênero: Tramitação da Lei Maria da Penha.
No último 25 de novembro, foi celebrado o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres. A data, escolhida em memória às irmãs Mirabal, perseguidas e assassinadas por se oporem e resistirem à ditadura de Rafael Trujillo na República Dominicana, simboliza um momento de reflexão, mobilização e ação pelo combate às violências praticadas contra as mulheres em todo o mundo.
No Brasil, uma das ações mais contundentes nesse sentido foi a implementação da Lei Maria da Penha, que definiu diretrizes para frear a violência doméstica e familiar contra as mulheres em suas mais diversas dimensões: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Para tanto, estabeleceu medidas de prevenção e assistência às vítimas e ressaltou o papel da educação e conscientização no combate à violência de gênero.
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O projeto que deu origem à lei (PL 4559/2004) foi elaborado no âmbito Poder Executivo, por um Grupo de Trabalho Interministerial formado especificamente para este fim. Já na etapa de formulação, fica explícita a importância das mulheres para a implementação desta norma jurídica, em função do protagonismo assumido pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, que coordenou o grupo e assinou, através de sua secretária especial Nilcéia Freire, a exposição de motivos – EM n° 016 – SPM/PR – que instruiu o projeto de lei.
Contudo, a participação decisiva das mulheres nesse processo não se restringiu à elaboração e proposição do projeto de lei, uma vez que se estendeu a todo à sua tramitação até a aprovação, incluindo atuação em diversas comissões temáticas da Câmara e do Senado e em Plenário. Tal atuação foi fundamental para que a Lei Maria da Penha assumisse o formato final que possui e escancara a urgência de implementarmos ações que garantam maior representatividade de mulheres em espaços de poder.
O PL 4559/2004 iniciou sua tramitação pela Câmara dos Deputados, sendo distribuído às comissões de Seguridade Social e Família (CSSF); Finanças e Tributação (CFT); e Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ). A Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), através da Dep. Maria do Rosário (PT-RS), também solicitou apreciar e emitir parecer sobre o projeto, entretanto, este requerimento foi indeferido.
Na CSSF, principal comissão responsável pelo mérito da matéria, a Dep. Jandira Feghali (PCdoB-RJ) foi designada relatora. A relatoria de projeto em comissões é uma atividade fundamental, podendo alterar a proposta legislativa através de emenda ou substitutivo, além de recomendar a sua aprovação ou rejeição ao coletivo do órgão. O parecer da parlamentar foi pela aprovação do projeto via substitutivo, o que foi seguido em unanimidade pelos demais membros da comissão. Para além do parecer, Jandira Feghali coordenou a proposição e realização de um seminário da CSSF em conjunto à CCJ, à CDHM, à CFT e à Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, com o objetivo de debater junto à sociedade civil o PL 4559/2004, proporcionando amplo e participativo debate que a temática da matéria exige.
Na CFT, novamente uma mulher foi designada relatora, a deputada Yeda Crusius (PSDB-RS). Chama atenção que, apesar de o PSDB ser, à época, o principal partido de oposição ao governo petista, Yeda Crusius deu parecer favorável à adequação financeira e orçamentária do substitutivo aprovado pela CSSF. O parecer da deputada foi aprovado por unanimidade no interior da CFT, sendo que toda a tramitação ocorreu rapidamente, entre 30 de agosto e 23 de novembro de 2005.
O PL 4559/2004 seguiu então à CCJ, onde foi designada como relatora a Dep. Iriny Lopes (PT-ES). Nesta comissão, mais uma vez o parecer foi favorável e aprovado por unanimidade, declarando a constitucionalidade da matéria, bem como sua pertinência em relação ao mérito.
À esta altura, já estava aprovado pelo Colégio de Líderes a deliberação em caráter de urgência da proposta, que voltou a tramitar em março de 2006, logo no início da sessão legislativa. Nesta etapa, foram apreciadas duas emendas apresentadas em Plenário. Ambas foram aprovadas pelas relatoras das comissões CSSF, CFT (agora representada pela Dep. Luiza Erundina (PSB-SP)) e CCJ. Já em 22 de março de 2006, o substitutivo ao PL 4559/2004 foi aprovado em turno único no Plenário, seguindo para o Senado Federal.
Na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, foi designada relatora da matéria a Senadora Lucia Vânia (PSDB-GO). Novamente a apreciação do projeto ficou à cargo de uma parlamentar filiada ao principal rival governista e, ainda assim, mais uma vez o parecer foi pela aprovação do projeto. O relatório foi seguido pela comissão, que decidiu também a favor do requerimento de tramitação em urgência da matéria no Senado, apresentado pela Senadora Serys Slhessarenko (PT-MT). Finalmente, em julho de 2006, a matéria foi aprovada em Plenário no Senado Federal, sendo sancionada pela Presidência da República em 07 de agosto de 2006.
Como foi apresentado, todo o processo legislativo de tramitação da Lei Maria da Penha – desde a elaboração no Executivo, até a análise, escrutínio e aprovação nas duas casas do Legislativo – foi protagonizado por mulheres. Isto reafirma o quanto é imediato resolvermos a questão da sub-representação feminina em cargos eletivos no Brasil. Ainda que tenham ocorrido avanços nos últimos anos, a legislatura eleita em 2022, que tem a maior representação feminina da história no Brasil, elegeu apenas 91 mulheres, isto é, 17,7% da Câmara, sendo que a proporção populacional de mulheres é de 51,5%.
Portanto, as ações tomadas até aqui para reduzir a desigualdade de gênero em espaços de poder foram absolutamente insuficientes. E como, vimos, a sub-representação tem impactos concretos no que diz respeito aos direitos das mulheres. Assim, para além de datas simbólicas que são relevantes por nos lembrar o quanto temos a avançar, são necessárias ações que visem tornar o simbolismo cada vez mais memória de um passado que foi combatido e superado, e cada vez menos a realidade de um presente de violência e desigualdade que insistimos em manter.
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