por Cristião Rosas*, Jacqueline Pitanguy**, José Henrique Torres***, LusMarina Garcia**** e Maria Jose Rosado*****
Os direitos reprodutivos das mulheres e meninas brasileiras estão sob a sombra de um grave retrocesso. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou a admissibilidade da PEC 164/2012 que, na prática, impede as formas já previstas em lei para o abortamento e tem impacto em outras questões que afetam direitos de homens e mulheres, como a reprodução assistida e pesquisas com células tronco.
Com a decisão da CCJ, marcada por uma sessão turbulenta, a PEC 164, veementemente rejeitada pela sociedade em 2012, foi ressuscitada após 8 anos, coincidentemente quando se agudizam as evidências de um sangrento golpe de Estado no país de forma a desviar a atenção pública.
Nos dirigimos ao Congresso Nacional, enquanto um grupo de pessoas que, ao longo de suas vidas, tem pautado os princípios democráticos de pluralismo e a defesa dos direitos humanos como eixos norteadores de suas atividades profissionais e de sua atuação cívica.
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Diversos em nossa formação, reunimo-nos no Fórum Direitos Reprodutivos e Democracia, com o propósito de somar forças, apoiados em nossa longa trajetória de luta contra o autoritarismo, a intolerância e de defesa da laicidade do Estado. Atuando em diferentes campos, sempre ressaltamos a centralidade dos direitos sexuais e reprodutivos na construção de um país igualitário e, verdadeiramente, democrático.
Consideramos particularmente grave o cenário político atual do país, cujo tecido social vem vendo corroído pelo ódio, pelo aniquilamento moral do adversário, e pelo uso sistemático da religião para defender interesses político-partidários, ameaçando os princípios republicanos de respeito ao pluralismo e a laicidade do Estado.
A PEC 164/2012 viola direitos adquiridos, pois pretende eliminar o ordenamento legal e jurídico vigente, que acolhe a decisão de quem, em situação de risco de vida – gravidez resultante de estupro ou de anencefalia fetal – opta por realizar um abortamento. Ao negar um direito já assegurado, atenta contra a dignidade humana de cidadãs brasileiras. Cumpre ressaltar que, no Brasil, é crime realizar um abortamento sem consentimento da gestante, já estando assim assegurados os direitos de quem opta por não interromper a gravidez em qualquer circunstância. Neste sentido, esta PEC é injusta e autoritária por substituir a opção de manter ou interromper a gestação nessas situações, pela interdição absoluta do abortamento.
Esperamos que o Congresso Nacional considere como primordial a dimensão da saúde, do direito a vida e da dignidade humana das cidadãs e meninas brasileiras. Sobretudo em razão dos índices alarmantes de mortalidade e morbidade materna, nos quais o aborto inseguro representa a quarta e quinta causa de óbitos maternos, afetando mais mulheres e meninas negras. O direito à saúde e à justiça reprodutiva não podem ser submetidos a interesses e acordos político partidários conjunturais que ferem a Constituição de 1988.
É, também, fundamental que, enquanto parlamentares, considerem que esta PEC viola o direito humano ao progresso da ciência, explicitado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, pois, necessariamente, acarretará a proibição de pesquisas com células tronco e no acesso a técnicas de reprodução assistida, excluindo parcela significativa da população do direito à maternidade e paternidade, por meio de tecnologias de fertilização. Fere assim o artigo 226 Paragrafo 7 da Constituição, que reconhece o direito à livre opção pela maternidade e paternidade e a responsabilidade do Estado em fornecer recursos educacionais e científicos para o exercício pleno desse direito.
Lembramos ainda que nos 193 países que integram as Nações Unidas, apenas 16 proíbem o aborto em qualquer circunstância, como pretende esta PEC. Se aprovada, o Brasil se igualará ao Haiti, El Salvador, Honduras e Nicarágua, únicos países do continente americano a adotarem esta drástica legislação.
Estamos confiantes de que este Congresso respeitará o direito à saúde, à dignidade humana, ao progresso da ciência afirmados em nossa Constituição de 1988, em tratados, convenções e acordos internacionais firmados pelo Brasil. Confiamos, igualmente, que serão defendidos os princípios que norteiam o Estado democrático de direito, respeitando o pluralismo, o direito à opção na vida reprodutiva, a laicidade do Estado e a dignidade das cidadãs brasileiras.
* Cristião Rosas é médico
** Jacqueline Pitanguy é socióloga
*** José Henrique Torres é advogado e desembargador
**** LusMarina Garcia é teóloga luterana
***** Maria Jose Rosado é socióloga
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