Em sua participação no Congresso em Foco Podcast, a deputada Célia Xakriabá (Psol-MG), coordenadora da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas trouxe seu relato da reação de produtores rurais à aprovação do projeto de lei do marco temporal, promulgado em dezembro de 2023 pelo Congresso Nacional. De acordo com ela, diversas comunidades indígenas foram imediatamente abordadas com violência.
Confira a íntegra da entrevista:
A deputada narrou um episódio vivenciado pelo seu próprio povo, no norte de Minas Gerais. “Logo que aprovaram o marco temporal, os caciques receberam visitas de fazendeiros, de ruralistas falando ‘o marco temporal foi aprovado, eu nem estou com arma na sua cabeça ameaçando, mas desocupem meu território’”, relembrou. Parte da terra indígena Xakriabá foi demarcada em 2003, tornando-a parte das áreas afetadas pela lei, cuja constitucionalidade é contestada no Supremo Tribunal Federal (STF).
O marco temporal é a tese jurídica de que só são válidas as demarcações de reservas indígenas ocupadas na data da promulgação da Constituição, em 1988. O critério, de forte interesse do agronegócio, revoga cerca de 50% das terras indígenas no Brasil, parcela relativa às que se encontravam em processo de homologação, muitas delas visando amparar comunidades que foram expulsas de seus locais de origem ao longo da ditadura militar. O STF o considerou como inconstitucional em 2023, mas logo em seguida o Congresso Nacional o transformou em projeto de lei, aprovado com ampla maioria nas duas Casas legislativas.
No último mês de janeiro, Célia Xakriabá testemunhou outro episódio de violência decorrente da aprovação do marco temporal, desta vez em um caso que alcançou repercussão nacional, quando fazendeiros no sul da Bahia, ligados ao autointitulado Movimento Invasão Zero, invadiram uma terra de usufruto da etnia Pataxó hã-hã-hãe e dispararam contra os habitantes.
Publicidade“Estávamos no período de recesso, eu em Belo Horizonte, quando sou surpreendida com o assassinato da pajé Nega Pataxó com o ataque a Nailton Pataxó. Imediatamente a ministra Sônia Guajajara [Povos Originários] me chamou e eu fui diretamente para lá. Foi um dos velórios mais tristes da minha vida”, contou a parlamentar.
Célia Xakriabá foi uma das principais articuladoras na Câmara dos Deputados para tentar impedir a aprovação do projeto, e chama atenção pelo fato de o marco temporal ter avançado com a promessa de segurança jurídica ao redor da demarcação de terras indígenas. O resultado, de acordo com a parlamentar, foi o contrário. “O que nós vimos na verdade foi uma guerra no campo”, apontou.
A parlamentar é uma das lideranças que atuam no STF para considerar inconstitucional a nova lei. Ela teme que seus efeitos se agravem ao longo do tempo. “Se o marco temporal continuar em curso, todo o processo de violência letal aos povos indígenas vai aumentar ainda mais, como o retrato do que aconteceu no sul da Bahia ou no Mato Grosso do Sul”.
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