Na próxima semana, a Câmara dos Deputados planeja votar o mérito do Projeto de Lei 490/2007 (PL 490), levando ao plenário uma antiga disputa entre lideranças indígenas e ruralistas. O relatório do deputado Arthur Oliveira Maia (União-BA) estabelece o ano de 1988 como marco temporal de demarcações de terras indígenas no Brasil. Se aprovado, ele revoga as delimitações estabelecidas desde então, o que representa cerca de 63% das reservas estabelecidas ou em disputa.
O eixo principal do relatório consiste em atribuir uma interpretação específica ao artigo 231 da Constituição, que delimita os critérios para a demarcação de terras indígenas. O relator considera que, pelo caput do artigo, ao dar conhecimento “às terras que tradicionalmente ocupam” os indígenas, o critério para essa ocupação seria o momento da elaboração da lei, ou seja, que o artigo estabelece um marco temporal.
Arthur Maia considera esse critério como uma questão juridicamente pacificada, ressaltando uma série de decisões judiciais em que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) adotaram o marco temporal como critério de demarcação. Lideranças de movimentos indígenas, como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) já argumentam que esse entendimento é falacioso, uma vez que a Corte não apenas nunca decidiu sobre o critério de forma terminativa, como também já autorizou outras demarcações por meio de outros critérios.
Além de restringir o critério temporal para a demarcação de terras indígenas, o projeto também estabelece uma série de novas limitações. Fica vedada a expansão de terras indígenas já demarcadas; a delimitação deverá ser feita em acordo com governadores e prefeitos; proprietários de terras dentro da área delimitada passam a ter o direito ao contraditório. Além disso, a União deverá avisar com duas semanas de antecedência a entrada de peritos em propriedades em análise para demarcação.
O projeto também flexibiliza o uso de terras em disputa para demarcação por parte de proprietários rurais. A construção de estruturas dentro do terreno ganha reconhecimento prévio de boa-fé, e o proprietário deve ser indenizado por elas em caso de desapropriação. Também cabe indenização aos proprietários cujas terras passem a ser reconhecidas como partes de reservas. Além disso, a entrada de não-indígenas na área sob análise é liberada até a conclusão do processo.
Parlamentares ruralistas e o relator argumentam que essas mudanças consistem em mecanismos de garantia da segurança jurídica durante o processo de demarcação, de modo a não prejudicar investimentos feitos nesses locais. Movimentos de defesa dos povos indígenas já consideram que o texto descumpre uma série de preceitos constitucionais, como o usufruto exclusivo das terras indígenas pelos povos originários. Além disso, ressaltam que qualquer alteração nesses direitos só poderia ser feita na forma de emenda constitucional, e não de projeto de lei ordinária.
PublicidadeParalelamente, a questão do marco temporal é alvo de um processo no STF, cujo julgamento está previsto para conclusão no dia 7 de junho. A bancada ruralista espera, com uma aprovação prévia do PL 490, preencher o vácuo na legislação sobre a validade do marco temporal antes da audiência, de modo a fazer com que o processo perca materialidade.
Confira a íntegra do relatório:
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