Cara Joice,
Como vai? Espero que sinta um pouco melhor e mais forte no dia de hoje. Nunca estivemos juntas mas recentemente participamos, através do telefone, da gravação do podcast do “Agora que são elas”. Rimos um bocado em nosso debate.
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Naquela ocasião você ainda era líder do governo e divergia de mim com relação à existência do machismo no Congresso Nacional.
Bastava “se impor no grito que tudo estaria resolvido”. Fico sinceramente triste por você ter percebido, na prática, que aquilo que eu dizia era real de uma maneira tão brutal e cruel. O machismo existe ali porque existe no mundo.
Eu lhe escrevo para ser solidária com tudo o que você tem passado.
Não é fácil. Não é mesmo nada fácil ser mulher e cair nas mãos da milícia virtual que governa o Brasil.
Não é fácil ver como eles envolvem os nossos filhos para buscar nos destruir emocionalmente. Eles buscam nos liquidar, Joice, nos levar às lágrimas. Como te levaram na tribuna ontem, como me levam quase todos os dias há longos quatro anos.
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PublicidadeEles fazem isso, Joice, pra depois nos chamarem de fracas. Eles querem provar que não somos capazes de desempenhar aquilo que nos propomos.
Eu entendo bem o que você está sentindo. No ano de 2015, Joice, enquanto você estava nos caminhões de som da Avenida Paulista, ao lado daqueles meninos que divulgavam imagens terríveis da Presidente Dilma, eu estava grávida e vivia o momento mais feliz da minha vida. Aí eles, aqueles meninos, inventaram que eu fiz uma viagem – com dinheiro público – para Miami para comprar um enxoval para Laura. Eu não conheço Miami, Joice. Nem sequer fiz enxoval. Jamais viajaria com dinheiro público. Para espalhar a mentira, eles utilizaram uma foto minha, com meu marido e meu enteado. O Gui tinha onze anos. Por isso, Joice, sei bem como é horrível ver o filho de onze anos receber mentiras pela internet a respeito da mãe. E digo mais: sei como é quando ele recebe mentiras sobre si próprio. Pouco tempo depois, Joice, em outubro, Laura tinha 45 dias e tomou um tapa durante um show de meu marido. Ela tinha 45 dias e uma mulher bateu nela!!!! Sabe por que? Porque acreditou que o pano que a enrolava havia sido comprado em Miami.
Essa é uma parte das histórias que marcam minha maternidade.
Esses dias eu chorei muito, Joice. Laura me perguntou se vocês, sim, vocês porque você ainda era líder do governo Bolsonaro, se vocês do governo odiavam também a nossa gatinha. Ela me disse que sabia que vocês odeiam a mim e a ela (pelo número de vezes que foi agredida). Mas ela precisava saber se a gata estava protegida da ira física que sofremos em função daquilo que as milícias virtuais constroem com suas mentiras.
Isso não acontece só comigo. Maria do Rosário viu sua filha exposta. Jean Wyllys saiu do Brasil. Marielle Franco tem sua memória destruída todos os dias. Não é por nada que dedico parte de minha vida ao combate de fake news e a contar essas histórias. Para que as pessoas tenham ideia do que passamos.
Joice, eu sou sinceramente solidária a você porque sei o que você está vivendo.
Mas queremos e precisamos que você fale. Sobre você, claro. Sobre sua dor. Diferente de mim, que fui vítima e pouco sabia sobre meus algozes, você esteve com eles até há pouco. Você pode e deve falar. Você pode informar à polícia, ao poder judiciário e à opinião pública tudo o que sabe sobre essa gangue que espalha mentiras para destruir as pessoas e, assim, governar o Brasil.
Precisamos que você faça isso para que nenhuma outra pessoa passe pelo estamos passando, para que mais nenhuma filha ou filho sofra em meio a esse jogo sujo.
Um abraço solidário,
Manuela d’Ávila
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