José Serra e Aloysio Nunes*
O Senado Federal retomou o exame da absurda Proposta de Emenda Constitucional (PEC 34/2021) que permitiria a parlamentares assumir a chefia de embaixadas no exterior sem perda de mandato.
O Congresso Nacional tem grande responsabilidade no acompanhamento da política externa brasileira. As disposições constitucionais resguardam o equilíbrio que deve haver entre os Poderes, onde o Executivo propõe e o Legislativo avalia, com isenção e objetividade, as designações a chefias de missão diplomática. O modelo vigente obedece, ainda, à relação hierárquica que garante a unidade e a coerência da política externa brasileira. Por definição e por força de suas prerrogativas constitucionais, fundamentais ao exercício de suas funções no Congresso Nacional, os parlamentares não devem e não podem se submeter à hierarquia existente no serviço exterior brasileiro.
A PEC 34/2021, se aprovada, criaria graves problemas e seria, certamente, considerada inconstitucional, pela violação à cláusula inerente ao regime republicano e à separação de poderes, causando desequilíbrio institucional incompatível com a República. A Constituição atual, em seu artigo 52, item IV, é muito clara quando estabelece que “compete privativamente ao Senado Federal aprovar previamente, por voto secreto, após arguição em sessão secreta, a escolha dos chefes de missão diplomática de caráter permanente”.
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Hoje, a perda do mandato do parlamentar que é nomeado embaixador, longe de ser uma discriminação odiosa aos congressistas, como se menciona na justificativa da PEC, está de acordo com a exigência de harmonia entre os poderes. O chefe de missão diplomática permanente é a mais alta autoridade brasileira no país em cujo governo está acreditado e representa o Estado, isto é, o poder Executivo brasileiro. A possibilidade de retorno ao cargo do parlamentar investido da função de embaixador, tal como proposta na PEC 34/2021, seria um retrocesso.
A incompatibilidade da manutenção do mandato de parlamentar depois de designado embaixador, em decorrência dos impedimentos constitucionais a parlamentares, visa a assegurar a independência do poder Legislativo e desestimular congressistas de promoverem ingerências indevidas nas esferas de atuação do poder estatal, proibindo-se que “o parlamentar de exerça função noutro poder”, como está previsto em todas as Constituições republicanas.
A função do parlamentar eleito para um mandato legislativo é a de discutir e propor legislação que vise promover e assegurar os direitos dos cidadãos e fiscalizar o Poder Executivo. A possibilidade de exercer cargo diplomático permanente não se coaduna com a essência do mandato parlamentar e do Poder Legislativo.
Não menos importante é relembrar que os processos e negociações diplomáticos costumam ser de grande complexidade e longa maturação, o que exige corpo de profissionais altamente especializado. No Itamaraty, o preparo para o exercício de funções de chefia é o resultado de toda uma vida funcional de estudos e experiências voltada à formação de diplomatas comprometidos com a defesa dos interesses nacionais no exterior.
A iniciativa pode ser considerada uma manobra em que parlamentares legislariam em causa própria e favoreceriam barganhas políticas pouco republicanas entre grupos parlamentares e o Executivo. Seria mais um fator de confusão criada pelo próprio Congresso.
*ex-ministros das Relações Exteriores
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