Uma das marcas de Arthur Lira (PP-AL) ao longo de seu primeiro mandato como presidente da Câmara dos Deputados foram os constantes atritos com os partidos de oposição. Sua gestão foi rotineiramente criticada por conta de sua política de proteger o até então presidente Jair Bolsonaro (PL) contra seus mais de 100 pedidos de impeachment, bem como por favorecer aliados por meio do extinto orçamento secreto. No que pode parecer um paradoxo diante desse histórico de apoio a Bolsonaro, logo após a vitória de Lula (PT) nas eleições, toda a antiga oposição passou a apoiar a recondução de Arthur Lira para a presidência da Casa.
Essa aproximação entre Lira e o novo governo não se deu por acaso. É o que explica um dos principais articuladores da ponte que acabou sendo feita entre Lula e Arthur Lira. Felipe Carreras (PSB-PE), líder da bancada do PSB, já mantinha um relacionamento próximo com o presidente da Câmara em seu mandato anterior, e foi um dos articuladores dessa sua aliança com Lula (PT).
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Apesar do atrito do mandato anterior, bem como das divergências ideológicas em relação ao PT, Carreras conta que Lira conseguiu construir uma reputação de cumpridor de acordos. Esse foi justamente o perfil desejado por Lula para um presidente da Câmara dos Deputados: não necessariamente alguém submisso, mas alguém com quem o governo pudesse negociar e ter certeza de que, ao final, o acerto proposto seria cumprido. “Existe uma pactuação feita para a eleição dele, que é ele não atrapalhar o governo”, revelou o líder nesta entrevista ao Congresso em Foco.
Carreras participou da reunião do Conselho Político com Lula na última quarta-feira (8). Segundo ele, o presidente deixou claro que manterá um canal aberto permanente de diálogo com o Congresso. O líder do partido de Geraldo Alckmin defendeu o direito de Lula criticar o Banco Central pela política de juros. De acordo com o deputado, o fim da autonomia do BC não está no radar do governo.
“Não vi esse tipo de discussão entre deputados governistas, não vi movimento da nossa parte no sentido de mexer com a autonomia deles nem por parte do ministro [da Fazenda] Fernando Haddad. Esse assunto não está sendo pautado. A nossa pauta é sim a defesa da redução dos juros. Agora, o presidente tem o direito de fazer as observações dele, de dizer o que ele pensa. Mas, por outro lado, não vi nenhum partido defendendo juros altos, nem mesmo o Novo.”
Confira a entrevista de Felipe Carreras:
Congresso em Foco – O PSB foi o primeiro partido de esquerda a declarar apoio a Arthur Lira. O que motivou essa decisão?
Felipe Carreras – Na última legislatura, o PT foi muito no caminho do embate na Câmara, mas agora o governo precisa de deputados que tenham facilidade de diálogo com o centro. Desde a transição do governo até a eleição de Arthur Lira, tivemos papel nessa aproximação, buscando sensibilizar a federação PT-PV-PCdoB e os demais atores políticos do entorno de Lula sobre a importância da reeleição de Lira para a nossa governabilidade. O perfil do Congresso, ainda mais nessa legislatura, é de um grande número de deputados de centro-direita. Precisávamos trazer um líder de respeito, que saiba como funciona a Câmara. E Arthur Lira tem exatamente esse perfil. Foi com muita maturidade que o nosso partido, o presidente Lira e o presidente Lula conseguiram trabalhar com essa vitória [na Mesa Diretora].
Arthur Lira foi aliado de Jair Bolsonaro, e seu partido não faz parte do governo. O governo ainda consegue enxergar ele como um aliado sólido?
Arthur tem em seu DNA, ele é conhecido aqui na Casa, como um parlamentar que cumpre acordo. Foi assim que ele se elegeu na primeira vez, mesmo não sendo o favorito para ganhar aquela eleição. Isso se tornou uma marca muito forte, é um traço característico dele. Agora, para essa última eleição, existe uma pactuação feita para a eleição dele: com a gente, com o PT e a federação, que é ele não atrapalhar o governo, ele defender pautas que sejam importantes para o país.
Como presidente da Câmara, ele segue tendo a oportunidade de opinar, fazer críticas construtivas, até porque conhecemos a personalidade de Arthur. No governo Bolsonaro, ele nunca foi de se curvar, de abaixar a cabeça. Muitas vezes a gente conseguiu mudar textos, aperfeiçoar textos, não aprovar textos. Ele vai nesse mesmo ritmo.
Ele já conversou com o presidente Lula em algumas oportunidades, estabeleceu pactos que o próprio presidente sentiu confiança. Nós sentimos confiança nele, e acho que ele vai ter o papel da independência e também de não estar travando pautas importantes para o país, não deixando de ser democrático na medida em que o colégio de líderes definir que uma matéria deve ser votada.
Como o governo avalia lidar com o PP? O partido segue não alinhado, e foi da base de Jair Bolsonaro.
É uma transição, como o presidente Lula disse antes: a eleição já passou. Se o Republicanos, por exemplo, quiser aderir ao governo, nós os receberemos de braços abertos. Temos uma excelente relação pessoal com seus deputados, e mesmo com o próprio líder Hugo Motta (PB). Com o PP não é diferente, tenho uma excelente relação com o próprio líder André Fufuca (PP-MA), com o Arthur, com o presidente Ciro Nogueira (PP-PI).
Esse não alinhamento automático é natural, faz parte da transição. Mas acho que eles já sinalizaram disposição em cooperar na votação da PEC do teto de gastos. A colaboração deles simbolizou isso fortemente. Então eu acredito que esses partidos logo estarão na base.
Na última eleição, o PSB perdeu grande parte de sua bancada na Câmara. Existe uma estratégia para recuperar o antigo tamanho?
Existe, já temos conversas nesse sentido. Entre aqueles que querem aderir à base do governo, muitos não querem ir para o PT, avaliam como uma mudança muito radical. Eles acabam vendo essa possibilidade no PSB por ser um partido de centro-esquerda, por ter figuras conciliadoras como Geraldo Alckmin e Márcio França, e mesmo pelo perfil da nossa bancada.
Já existe inclusive sinalização de alguns deputados. Acredito inclusive que nos próximos meses a bancada poderá ganhar de quatro a seis parlamentares. Estamos sendo procurados por deputados de partidos de centro.
Entre esses deputados, alguém apoiou Bolsonaro?
Para dizer a verdade, eu nem olhei isso. Lula disse mais cedo que “não interessa quem votou em quem, agora a hora é de governar o país e quem quiser apoiar será bem vindo”. Achei fantástica essa fala dele, foi um discurso de pacificação. Quem quiser construir dentro do PSB, quem quiser trabalhar com a gente na reconstrução do país, será bem vindo.
Ao longo das últimas semanas, o presidente Lula bateu muito na questão dos juros do Banco Central (BC), e vem criticando a autonomia do banco. Qual a posição do PSB quanto a isso, e até que ponto esse atrito não pode acabar prejudicando o governo?
É unânime na nossa bancada e no resto da base que os juros precisam baixar. Da forma como está, dificilmente teremos investimentos robustos que possam impactar no crescimento do país e na geração de emprego e renda. Isso é unanimidade. Já sobre a autonomia do BC, eu não vi o presidente Lula manifestando que queira alterar. Não vi esse tipo de discussão entre deputados governistas, não vi movimento da nossa parte no sentido de mexer com a autonomia deles nem por parte do ministro [da Fazenda] Fernando Haddad .
Esse assunto não está sendo pautado. A nossa pauta é sim a defesa da redução dos juros. Agora, o presidente tem o direito de fazer as observações dele, de dizer o que ele pensa. Mas, por outro lado, não vi nenhum partido defendendo juros altos, nem mesmo o Novo.
Sobre a reforma tributária, quais as chances dela passar no primeiro semestre?
Todas. Todas as chances. Todos os deputados que foram reeleitos sempre defenderam que ocorra uma reforma tributária, e todos os novos com quem eu falei também concordam. Ainda precisamos amadurecer sobre qual será essa reforma, para ver quais são os ajustes necessários. Mas já existe o consenso de que não pode haver aumento da carga tributária, e Haddad também concorda com isso.
Estamos estudando agora que formato é esse. Não existe ainda sequer um pré-projeto, mas é óbvio, inclusive o ministro comenta que o atual sistema tributário do Brasil afasta o investidor internacional. Há um cenário internacional de grandes empresas que desejam investir no Brasil, mas que graças a nossa complexidade tributária, a gente acaba os afastando.
Defendemos que, nessa reforma, quem tem uma renda baixa não pague pelo kg de feijão o mesmo imposto que um bilionário paga. Precisamos também ter esse olhar social. É injusto a pessoa que paga o alimento com o que recebe do Bolsa Família pagar o mesmo imposto de um milionário.
Uma pauta com destaque na Câmara é a medida provisória que retoma o voto de qualidade no Carf [Conselho Administrativo de Recursos Fiscais]. Na forma como está o texto, a medida tem chances de passar?
O próprio governo já sinalizou que quer dialogar e aperfeiçoar o texto para alcançar uma forma ideal, é algo que estamos estudando. O que não pode, ao nosso ver, é manter como estava. Dos 100 mil processos que estão sendo julgados, 112 correspondem a R$ 600 bilhões de pouquíssimas empresas. Não dá para o contribuinte jogar pelo empate enquanto empresas bilionárias não são vistas por um caminho de entendimento.
O próprio setor produtivo e os empresários já tem sinalizado o interesse em mudar esse formato. Da nossa parte, defendemos que isso precisa mudar. Estamos estudando a melhor forma, e o próprio ministro Haddad também tem pensado em como chegar a esse consenso.