Eduardo Militão
As oposições no Brasil têm mesmo do que se queixar. Dissertação de mestrado que analisou a tramitação de propostas na Câmara durante os mandatos dos governos Fernando Henrique (PSDB) e Lula (PT) mostra que só 12% das relatorias dos projetos de lei apresentados foram relatados por parlamentares contrários ao ocupante do Palácio do Planalto.
Entretanto, mesmo sendo minorias, os opositores do Planalto sempre tiveram mais de 12% de assentos na Câmara nos últimos quatro mandatos presidenciais. A menor representação das oposições nesse período foi de 22%.
O estudo “O parlamento brasileiro, processo, produção e organização legislativa” foi apresentado por Ana Regina Amaral ao Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). Ela analisou os 1.525 projetos de lei apresentados à Câmara entre fevereiro de 1995 e janeiro de 1996. Verificou que, depois de quase 15 anos de tramitação, em março de 2009, somente 436 tinham sido aprovados ou rejeitados.
Para esses projetos, foram designados 1.038 relatores nas comissões e no plenário durante todo o período. Isso porque uma mesma proposta recebe vários relatores durante sua tramitação.
A pesquisa descobriu que apenas 125 relatorias (12%) ficaram com as oposições. Para Ana Regina, o percentual destinado à oposição foi “extremamente pequeno”.
Oposição fica com menos relatorias no Congresso*
Relator | Relatorias | |
Base aliada | 529 | 51% |
Oposição | 125 | 12% |
Sem definição | 384 | 37% |
Total | 1.038 | |
*Só foram analisados as proposições do tipo projetos de lei – excluídas MPs, PEC, projetos de lei complementar e outras – apresentadas entre fevereiro de 95 a janeiro de 96. Consideraram-se as relatorias dos 436 projetos aprovados ou rejeitados até 30 de março de 2009. Fonte: Quadro feito a partir de dissertação de mestrado de Ana Regina Amaral.
Outros 51% das relatorias foram para a coalizão do governo da época, e 37%, para parlamentares independentes, que não eram da base aliada e nem se identificavam como opositores do Palácio do Planalto.
Representação maior
Apesar de ficar com apenas 12% das relatorias, no período analisado por Ana Regina, a oposição sempre teve um percentual maior de assentos na Câmara. É o que revelam dados da Secretaria Geral da Mesa levantados pelo Congresso em Foco, com base nos critérios adotados na dissertação.
Em fevereiro de 1995, no início do primeiro mandato do governo Fernando Henrique, a oposição tinha 22%. No segundo mandato tucano, os mesmos 22%. No primeiro governo Lula, 27% da Câmara eram formados pela dupla PSDB e PFL. No início do segundo mandato do PT, a oposição ao Planalto cerrou 25% das fileiras da Câmara.
Os critérios da dissertação consideram as posições dos partidos no início das legislaturas. Assim, o PPS é considerado base do governo Lula – o partido presidido por Roberto Freire só rompeu com o presidente depois. Da mesma forma, o PL – que emprestou o vice-presidente, José Alencar, na chapa de Lula em 2002 – não aparece como oposição a Fernando Henrique.
Desempenho
A pesquisa de Ana Regina observou em separado somente os 147 projetos aprovados no plenário e nas comissões. Verificou que a base aliada concentra as relatorias no tapete verde da Câmara e ali reduz ainda mais o trabalho dos opositores. Nas comissões, a oposição ficou com 39% das relatorias. No plenário, com 15%.
“Os dados sugerem que o Executivo tem um controle maior das matérias aprovadas em plenário, mas não tem o mesmo desempenho quando se trata das comissões”, afirma Ana Regina, na dissertação.
Fundamental
O papel do relator é fundamental na tramitação de um projeto. É ele quem tem a obrigação de estudar a proposta e fazer um parecer pela sua aprovação, aprovação parcial ou rejeição. Em um outro trabalho de mestrado para o Iuperj, a pesquisadora Márcia Rodrigues da Cruz analisou modificações em projetos de lei aprovados que tinham sido propostos pelo Executivo.
Veja a íntegra do trabalho de Márcia Rodrigues da Cruz
Ela se deteve sobre cinco propostas que foram alteradas por substitutivo na Câmara, receberam emendas no Senado, tramitaram com urgência e ainda sofreram veto parcial do presidente da República. Todos os textos aprovados na Câmara foram substitutivos feitos pelos relatores ou receberam emendas com pareceres favoráveis dos relatores.
Márcia lembra que, mesmo quando as emendas rejeitadas pelos relatores iam a votação por meio de destaques, elas não eram apoiadas pela maioria dos deputados.
“O relator é um ator decisivo quando falamos nas modificações dos textos originais”, diz a pesquisadora. “A palavra do relator tem grande peso na hora da votação final, na Câmara dos Deputados, das emendas apresentadas ao projeto de lei. As emendas que recebem pareceres favoráveis dos relatores tendem a serem aprovadas pelo plenário da Câmara dos Deputados, enquanto as que recebem pareceres contrários, a serem rejeitadas.”
A pesquisadora destaca que projetos importantes são sempre relatados por parlamentares da base aliada. “(…) principalmente quando estes relatores são nomeados em Plenário, pelo Presidente da Câmara dos Deputados (no caso das comissões, quem escolhe o relator é o presidente da comissão, que pode ser de um partido que não pertença à base do governo). A tendência destes relatores, realmente, é barrar as emendas que desfiguram o texto enviado pelo Executivo.”
Márcia lembra que o próprio sistema tende a favorecer a aprovação das emendas apoiadas pelo relator. Isso porque elas são votadas em globo junto com as emendas rejeitadas. Se um parlamentar quiser votar uma emenda rejeitada separadamente, vai ter que fazer um requerimento, que deverá ser aprovado. Caso o requerimento seja aprovado, o destaque do deputado costuma ser votado em globo também.
Há a possibilidade de a bancada do partido apresentar um requerimento, situação em que não há necessidade de votação no plenário. Mas existe um limite para a apresentação deste tipo de destaque, dependendo do tamanho da bancada.
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