Cruzamento de dados realizado pela ONG “De Olho nos Ruralistas”, compilando dados das doações eleitorais de 2018 e 2022 com os cadastros de imóveis do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), revela que 18 deputados e senadores da Frente Parlamentar da Agropecuária, conhecida como bancada ruralista, receberam recursos de fazendeiros com propriedades sobrepostas a terras indígenas.
Propriedades sobrepostas são as que possuem parte ou todo o seu terreno dentro de território indígena homologado ou em processo de homologação. Essa situação pode ocorrer tanto em consequência da invasão dos proprietários quanto em decorrência da demarcação de uma reserva que inclua partes de fazendas.
Para quem tem pressa:
– A ONG “De Olho nos Ruralistas” realizou um cruzamento de dados das doações eleitorais de 2018 e 2022 com os cadastros de imóveis do Incra.
– 18 deputados e senadores da Frente Parlamentar da Agropecuária, conhecida como bancada ruralista, receberam recursos de fazendeiros com propriedades sobrepostas a terras indígenas.
– As doações totalizaram cerca de R$ 3,64 milhões, vindas de 15 doadores.
Orlando Bagattoli, irmão do senador Jaime Bagattoli (PL-RO), foi o maior doador, fornecendo R$ 2,81 milhões. Outros membros da família também fizeram doações.
– Deputados da cúpula da frente parlamentar também receberam doações de fazendeiros com propriedades sobrepostas a terras indígenas.
– Algumas das propriedades pertencentes a parlamentares da bancada ruralista são sobrepostas a terras indígenas, como a Fazenda São José, do senador Jaime Bagattoli, e as fazendas Crisciúma e Capão, do deputado Newton Cardoso Jr.
– As doações questionadas indicam uma relação entre a bancada ruralista e proprietários de terras sobrepostas a terras indígenas.
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Ao todo, as doações somaram cerca de R$ 3,64 milhões, vindos de 15 doadores. As maiores quantias, conforme o relatório, foram fornecidas por Orlando Bagattoli, irmão do senador Jaime Bagattoli (PL-RO), que recebeu dele uma doação de R$ 2,81 milhões. Outro parente, Jaime Maximino Bagattoli, repassou ao senador R$ 300 mil, bem como outros R$ 50 mil para a campanha do deputado Thiago Flores (MDB-RO).
A família do senador, de acordo com a ONG, é dona do conglomerado Grupo Bagattoli, proprietário da Fazenda São José, em Rondônia. O imóvel sobrepõe mais de 2,5 mil hectares da terra indígena Rio Omerê, cadastrados tanto antes quanto depois da homologação da reserva. Além de receber a vasta quantia de seu irmão, o senador foi o maior doador eleitoral de seu estado, oferecendo recursos para 30 candidatos a deputado estadual.
Segundo o levantamento, o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), ex-presidente da bancada, também recebeu, em sua campanha eleitoral de 2018, quantia vinda de proprietários de terras sobrepostas. Wanda Inês Riedi, diretora da empresa I. Riedi, doou R$ 100 mil para sua campanha. Sua companhia foi listada no mesmo ano pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) como ocupante não-indígena em reservas no município de Terra Roxa (SP).
PublicidadeDeputados que integram a cúpula da frente parlamentar também estão entre os campeões na lista de candidatos com doações de proprietários sobrepostos a terras indígenas. O presidente da FPA, Pedro Lupion (PP-PR), recebeu R$ 20 mil do empresário Cirineu de Alencar, que também doou R$ 19 mil para a campanha de Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), primeiro vice-presidente da frente parlamentar na Câmara.
Cirineu de Alencar é sócio da Agropecuária Calupa, empresa proprietária da Fazenda São Tomé, em Mato Grosso. A propriedade sobrepõe mais de 2,5 mil hectares das terras indígenas Apiaká do Pontal e Isolados. Ele também doou R$ 20 mil para o coordenador político da bancada ruralista na Câmara, deputado Fabio Garcia (União-MT). Ele ainda foi o maior doador, entre os fazendeiros com propriedades em terras indígenas, para a campanha eleitoral de Jair Bolsonaro em 2022, disponibilizando a quantia de R$ 300 mil.
Além de Jaime Bagattioli, outro parlamentar da bancada ruralista que pertence a uma família de proprietários de fazendas em reservas indígenas, de acordo com o relatório do “De Olho nos Ruralistas”, é o deputado Newton Cardoso Jr (MDB-MG). Ele e seu pai, o ex-governador de Minas Newton Cardoso, são sócios da Companhia Siderúrgica Pitangui, dona das fazendas Crisciúma e Capão, no município mineiro de Martinho Campos. As duas propriedades, conforme o levantamento, são completamente sobrepostas à reserva indígena Kaxixó.
Confira a seguir a lista de parlamentares da Câmara e Senado que receberam recursos de empresários com terras sobrepostas a terras indígenas, de acordo com o relatório elaborado pela ONG “De Olho nos Ruralistas”:
- Jaime Bagattoli (PL-RO)
- Thiago Flores (MDB-RO)
- Luiz Carlos Heinze (PP-RS)
- Arnaldo Jardim (Cidadania-SP)
- Pedro Lupion (PP-PR)
- Fabio Garcia (União-MT)
- Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP)
- Luiz Nishimori (PSD-PR)
- Covatti Filho (PP-RS)
- Newton Cardoso Jr (MDB-MG)
- Amália Barros (PL-MT)
- Evair Vieira de Melo (PP-ES)
- Domingos Sávio (PL-MG)
- Tereza Cristina (PL-MS)
- Marcos Pollon (PL-MS)
- Rodolfo Nogueira (PL-MS)
- André Fufuca (PP-MA)
- Marcel van Hattem (Novo-RS)
Marco temporal
No último dia 30, a Câmara dos Deputados aprovou o PL 490/2007, que estabelece a data da promulgação da Constituição, em outubro de 1988, como marco temporal para demarcação de terras indígenas. A aprovação do projeto ameaça as terras indígenas em disputa com delimitação em áreas não ocupadas até aquela data.
A proposta foi amplamente apoiada pela bancada ruralista, que argumenta que a falta de um marco temporal gera prejuízo aos investimentos feitos em terrenos que posteriormente foram demarcados, além de trazer insegurança jurídica para o campo. Todos os deputados listados acima votaram a favor do projeto, com exceção de Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), que não compareceu à votação.
Posicionamento da bancada
Todos os gabinetes dos parlamentares citados foram procurados para se pronunciar a respeito das doações. Senadores e deputados que participam ativamente na disputa por terras sobrepostas receberam um segundo e-mail para poder se manifestar sobre seus casos particulares. As empresas com contatos divulgados publicamente também foram contactadas. Até o momento do fechamento da matéria, não houve resposta. O texto será atualizado caso sejam enviadas manifestações.
Também foi contactada a assessoria de comunicação da Frente Parlamentar da Agropecuária, que enviou a seguinte nota:
“As contas de campanha dos membros citados foram aprovadas pelo Tribunal Superior Eleitoral, estão dentro da legislação eleitoral, de forma transparente, pública e acessível a qualquer veículo de comunicação que desejar fazer a apuração.
A doação para campanhas de qualquer cidadão brasileiro é direito constitucional.
Não reconhecemos as informações trazidas pelo tabloide ideológico, sem função social para ser chamado de organização não governamental. É uma ferramenta de interesse comercial estrangeiro em benefício dos direitos dos cidadãos brasileiros”.
A assessoria citou as doações recebidas pela ONG pela organização filantrópica Open Society, que oferece recursos para organizações sociais ao redor do mundo.
Confira o relatório completo:
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