O Facebook enviou uma nota técnica a gabinetes de parlamentares rebatendo ponto a ponto trechos do projeto de lei contra as fake news (PL 2630/2020). A votação, que estava prevista para esta terça-feira (02), foi adiada por falta de acordo entre senadores e organizações ligadas ao acesso à informação. O próprio autor da matéria, senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), pediu que o texto não fosse analisado hoje.
> Sem acordo, Senado adia votação do projeto das fake news
Segundo a nota técnica, à qual o Congresso em Foco teve acesso, o PL busca responder a um tema importante, mas possui uma série de falhas e ameaças à liberdade de expressão que se agravam pela falta de debate e pelo contexto excepcional de pandemia do novo coronavírus, “no qual o Congresso opera à distância (inclusive da sociedade), em regime de “fast track” e sem comissões”.
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“Embora sua justificativa indique preocupações quanto à pandemia, o PL está longe de tratar de questão própria desse contexto excepcional. O PL sequer esboça uma delimitação temporal ou de escopo nesse sentido – ele vem, num apressado salto distante da sociedade, para transformar em caráter definitivo o Marco Civil da Internet”, continua a nota.
Na análise do senador Alessandro Vieira, as plataformas preferem permanecer sem responsabilidade sobre os conteúdos. Ele não acredita, entretanto, que a pressão do Facebook seja suficiente para barrar a o projeto no Senado.
O Facebook considera que as medidas trazidas na proposta se assemelham, em tempos de covid-19, àquelas adotadas em países pouco ou nada democráticos como Egito, Botswana e Hungria, e colocam que a experiência internacional depõe contra a iniciativa.
A empresa defende mais tempo para um debate multissetorial, em que deverão ser ouvidas diferentes vozes e levadas em consideração questões como opinião, discurso político, humor, sátira, criação artística e intelectual.
Uma das principais preocupações do Facebook refere-se à atribuição, que o projeto coloca sobre as empresas de mídia, de atuação como árbitro de conteúdo, ao ter de controlar e monitorar práticas e condutas de usuários na internet. O texto determina a vedação genérica à conta inautêntica ou a disseminadores artificiais. Para o Facebook, essas definições são vagas e podem afetar uma série de usos legítimos das ferramentas.
A empresa também é contrária à proibição ou restrição injustificada de ferramentas automatizadas, como os “bots” (do inglês “robot”, ou “robô”). “Há inúmeros exemplos de usos positivos de bots (bots de atendimento ao consumidor; bots para fins de maior transparência e fiscalização)”, alega o Facebook. Ainda, expressa preocupação com a definição de conteúdo patrocinado e de verificadores de fatos independentes.
Outra preocupação do Facebook é com questões econômicas, por considerar que o PL onera excessivamente atores do mercado de internet. A empresa também defende uma autorregulação regulada, citando que o ordenamento brasileiro já dispõe de instrumentos para enfrentar o problema, como o direito de resposta, a contrapropaganda publicitária, os tipos penais referentes a crimes contra a honra ou ameaça e a possibilidade de identificação do usuário.
Leia a íntegra da nota do Facebook
Posição conjunta
Além dessa iniciativa unilateral do Facebook, a empresa também assinou uma nota conjunta com a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), as agências Lupa e Aos Fatos, a Transparência Brasil, o Google, o Twitter, o Movimento Agora! e outras 27 entidades. Segundo o documento, a votação coloca em risco a liberdade de expressão online e não pode ocorrer às pressas.
“Em um contexto em que o Senado realiza deliberações por meio do sistema remoto, sem
a existência de comissões, o debate aprofundado sobre o tema se mostrou comprometido
desde o início”, diz o texto subscrito por instituições acadêmicas, organizações da sociedade civil, empresas e cidadãos.
O grupo alega que o texto restringe as liberdades individuais e pode dar margem à censura e à violação de direitos fundamentais dos cidadãos e pede que ele seja aperfeiçoado e amplamente debatido com a sociedade brasileira, “da forma que uma lei desta envergadura requer”.
Leia a íntegra da nota conjunta
Entenda o projeto
Proposto pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-ES) e pelos deputados federais Felipe Rigoni (PSB-ES) e Tábata Amaral (PDT-SP), o projeto prevê que pessoas que financiam redes de robôs ou contas falsas que cometem crimes como difamação em redes sociais sejam enquadradas nas leis de organização criminosa e de lavagem de dinheiro, que estipulam penas entre 3 e 10 anos de prisão.
A matéria foi apresentada no dia 15 de maio e ganhou impulso após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de dar prosseguimento no inquérito que apura a atuação de organização responsável por disseminar notícias falsas. Foram alvos da Polícia Federal na semana passada empresários, influenciadores digitais e deputados aliados do presidente Jair Bolsonaro.
Críticos da proposta alegam que pode haver cerceamento à liberdade de expressão. Já os defensores argumentam que é preciso combater e punir quem dissemina notícias falsas e se vale da falta de uma regulamentação para atacar a honra de outras pessoas e instituições.