Lideranças evangélicas conservadoras vão pressionar os senadores a votar contra a indicação do ministro Flávio Dino para o Supremo Tribunal Federal (STF). O segmento pretende engrossar dois atos públicos convocados pela oposição contra o atual titular da Justiça: um previsto para ocorrer em várias cidades do país, no dia 10, e outro marcado para 13 de dezembro, data em que será feita a sabatina de Dino na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
A estratégia para barrar a ida de Dino para o Supremo envolve visitas aos gabinetes e telefonemas de lideranças religiosas para os senadores. Líderes religiosos locais, considerados importantes atualmente para qualquer eleição, vão procurar os senadores de seus estados para se posicionar contra a indicação feita pelo presidente Lula. A pressão maior recai sobre aqueles parlamentares que disputarão as eleições municipais de 2024 ou as gerais de 2026, quando dois terços das cadeiras do Senado estarão em disputa.
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A Frente Parlamentar Evangélica criou uma página na internet para monitorar o posicionamento de cada senador em relação à indicação de Flávio Dino. “Estamos empenhados em derrotar o nome dele”, disse o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), vice-presidente da frente parlamentar, ao Congresso em Foco.
No Senado, a articulação é encabeçada pelo líder da bancada na Casa, Carlos Viana (Podemos-MG), ex-líder do governo Bolsonaro. Dos 81 senadores, 16 fazem parte da frente evangélica.
Para Sóstenes, Flávio Dino é a pior indicação já feita por um presidente da República ao Supremo. “Dino é um debochado, um provocador. Diz que é comunista graças a Deus. Sempre falamos que o Lula e o PT são divorciados do meio evangélico, essa é mais uma prova disso”, ressaltou Sóstenes. O deputado é pastor licenciado da Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo e o congressista mais próximo de Silas Malafaia, principal líder da denominação religiosa. A referência ao comunismo remete ao período em que Dino, hoje no PSB, permaneceu no PCdoB.
O deputado reconhece que o ministro preenche o requisito constitucional de ter notável conhecimento jurídico. “Mas ele é muito mais político do que jurista. Vai para a Corte nos perseguir”, acusa Sóstenes. “Será dez vezes pior que o Alexandre de Moraes”, emenda, referindo-se ao ministro que se destacou nos últimos anos no confronto com Jair Bolsonaro e relator das ações envolvendo participantes dos atos de 8 de janeiro.
PublicidadeEmbora seja a face mais visível, a resistência ao nome de Dino não é unanimidade entre os evangélicos. Principal aliada do ministro no Senado, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA) tem conversado com lideranças religiosas para quebrar a oposição a ele no segmento. Evangélica, Eliziane foi a articuladora da Carta aos Evangélicos, divulgada por Lula na reta final da campanha do ano passado. Um movimento considerado bem-sucedido na ocasião como forte capaz de reduzir a resistência ao petista no meio.
Nos últimos meses, Dino disputou a vaga com o também ministro Jorge Messias, da Advocacia-Geral da União (AGU). Membro da Igreja Batista, Messias era o nome de preferência de parte da comunidade evangélica. Ele, no entanto, acabou sendo preterido pelo presidente Lula na indicação.
Oposição ideológica
Para o professor e cientista político Vinicius do Valle, pesquisador da área de religião e política, mais do que a pauta de costumes, o incômodo maior de parte da comunidade evangélica com o nome de Dino não está associado à chamada pauta de costumes, mas à disputa ideológica expressada pela polarização entre a esquerda e a direita bolsonarista. Ele ressalta que o ministro é católico praticante e contrário à descriminalização do aborto – pauta mais cara aos evangélicos. “Eu sou filosoficamente, doutrinariamente, contra o aborto, e acho que a legislação brasileira não deve ser mexida nesse aspecto”, declarou Dino em entrevista ao jornal Valor Econômico em abril de 2022.
“Há uma tentativa de demonstração de força, no sentido de que, independentemente de quem for, o indicado terá de conversar com os evangélicos, porque eles se tornaram relevantes. ‘Se não conversar com a gente, vai sofrer oposição ferrenha.’ Há uma busca de demonstrar legitimidade política para ter relevância dentro das instituições”, considera o diretor do Observatório Evangélico.
Segundo o cientista político, a resistência a Dino também faz parte das movimentações em torno das eleições do próximo ano. “Existe um eleitorado evangélico que precisa ser alimentado por narrativas. Com a pressão, determinados segmentos evangélicos passam o recado: ‘Nossos líderes estão combatendo este governo’. Muitas lideranças agem dessa forma com suas bases eleitorais. É um jogo de cena político para mostrar serviço”, diz.
O diretor do Observatório Evangélico ressalta que os evangélicos não constituem um bloco monolítico e têm suas diferentes correntes. “O deputado Sóstenes representa o que há de mais conservador e de oposição aos quadros mais ideológicos do governo Lula. Como um dos principais defensores de que a frente parlamentar evangélica faça oposição sistemática ao governo, o deputado prega que a bancada faça forte resistência a Dino por ele ser identificado como um quadro ideológico da equipe de Lula”, avalia.
Vinicius considera que o discurso do medo propagado por evangélicos mais conservadores contra Dino é insuficiente para barrar sua indicação ao Supremo e que o ministro tem condições de dialogar e de se viabilizar com as lideranças mais pragmáticas. “Essa camada de evangélicos resiste à postura adotada pelo ministro em relação aos atores políticos que desestabilizaram a democracia. Ele teve uma postura bastante dura em relação aos atos de 8 de janeiro. Ele também focou na agenda de combate à desinformação. Esse grupo religioso usa muito o argumento de que esse tipo de regulação vai criminalizar o discurso religioso, o que não é verdade. Mas é assim que figuras como Flávio Dino são retratadas por esse segmento mais conservador”, analisa.
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